É Portugal um país mediterrânico?

A afirmação portuguesa no Mediterrâneo Sul depende em muito da nossa posição na União Europeia

No difícil exercício de análise sobre a política externa portuguesa e sobre a identificação das prioridades nacionais na cena internacional, o Mediterrâneo tem ocupado parte relevante do discurso político externo mas ao qual se recorre geralmente por razões de calendário, de circunstância ou de solidariedade europeia.No espaço natural europeu e euro-atlântico onde Portugal se insere, ao qual acresce a vocação africana nacional (leia-se subsariana), será o Mediterrâneo o terceiro vértice da desejada projecção externa nacional?
Portugal participa no Fórum do "5 + 5", uma espécie de União do Mediterrâneo Ocidental, com parceiros da margem norte (França, Espanha, Itália e Malta) e vizinhos da margem sul, correspondentes aos membros fundadores da União do Magrebe Árabe (UMA); mantém (oficialmente) cimeiras anuais com Marrocos e Argélia; o Governo actual nomeou a Líbia de Kadhafi como um parceiro "estratégico"; Lisboa esteve presente no Processo de Cooperação Euromediterrânica de Barcelona desde o seu início, em 1995, em que participam 39 países; participa também na Política Europeia de Vizinhança (PEV), desde a sua criação, em 2004; e agora no processo de criação da União do Mediterrâneo, projecto anunciado pelo candidato Sarkozy em Fevereiro de 2007 e recentemente aprovada pelos respectivos membros.
Fossem os resultados no terreno equiparados à arquitectura de cooperação existente no papel e as duas margens do Mediterrâneo seriam uma região plenamente integrada. O mesmo se pode dizer do discurso político nacional em relação à "centralidade" do relacionamento com os países do Mediterrâneo, não só no plano bilateral mas também multilateral.
A Portugal não se lhe conhecem reticências sobre nenhum projecto regional, seja este amplo e vago (como o processo de Barcelona), ou concreto e limitado, como a versão original do projecto francês da União do Mediterrâneo, claramente exclusivista e não coincidente com o espírito de cooperação euro-mediterrânico de Barcelona, e onde Portugal seria sumariamente marginalizado. Foram os protestos espanhóis, a presidência alemã e as pressões da Comissão Europeia, receosa de perder o controlo sobre a cooperação com o Mediterrâneo sul, que levaram o Presidente Sarkozy a aceitar a sua inclusão no quadro estratégico da União Europeia, passando Portugal a participar "por inerência".
Assim, aparentemente, tudo o que seja iniciativa de cooperação euro-mediterrânica é bem-vinda e tudo o que seja aliança "estratégica" bilateral também.
Daqui se deduz que na acção política portuguesa interessa ser parte do "concerto mediterrânico restrito" e, por conseguinte, afirmar Portugal enquanto país mediterrânico, tal como a Espanha, França ou Itália.
Esta identidade nova de Portugal não pode resultar, no entanto, da aplicação de critérios geográficos, desde logo porque o Mediterrâneo não mente e não toca o litoral português - os imigrantes ilegais marroquinos apenas chegam por engano ao litoral algarvio.
A identidade mediterrânica, complementar à euro-atlântica, apenas pode advir de linhas de acção política e estratégica - os nossos parceiros europeus do Sul não se cansam, aliás, de nos recordar que não somos um país mediterrânico, com ecos na produção académica europeia, onde raramente Portugal é referido quando se exploram estes temas.
Assim, caberá a Lisboa construir essa identidade pela via política mas, ao contrário do que tem ocorrido, não apenas com discursos ou processos de intenções para com os parceiros do Magrebe (apenas ocasionalmente necessários) mas com a apresentação de resultados concretos sobre a crescente presença económica portuguesa (e consequentemente social) na região, desconhecida ou propositadamente ignorada pelos nossos parceiros europeus, e de propostas concretas de acolhimento de estruturas de cooperação - porque não o futuro Banco Euromediterrânico, braço financeiro da União do Mediterrâneo?

A afirmação portuguesa no Mediterrâneo Sul, facilitada pela ausência de passado colonial na região, depende em muito da nossa posição na União Europeia com as suas múltiplas estruturas, nomeadamente de nos tornarmos, como país, numa voz crítica em relação às tentativas de protagonismo e de exclusão, sejam estas francesas ou espanholas, afirmando-nos, porventura, como ponte entre a União do Mediterrâneo e outros concertos regionais transatlânticos.A construção dessa identidade mediterrânica exige também algum trabalho de casa por parte dos políticos nacionais: era, porventura, altura de ser elaborado pelo governo um documento (livro branco, plano nacional, etc), a tornar público, identificando e explicando as prioridades e as soluções nacionais em relação ao Magrebe e Médio Oriente no médio prazo. Por este passam, naturalmente, interesses sectoriais mas ressaltariam sobretudo os estratégicos e permanentes: estabilidade e segurança no domínio militar e do contra-terrorismo, garantias de segurança no abastecimento energético (gás natural, petróleo), estudo e viabilização económica de ligações directas aéreas e marítimas com o Magrebe (recorde-se que poderá não tardar muito até à conclusão do túnel no Estreito de Gibraltar, ligando Espanha e Marrocos por terra), o ensino da língua e cultura portuguesas na região, entre outros.
Finalmente, Lisboa pode potenciar o seu papel regional e promover uma função a que raramente recorre: a mediação pública de conflitos, no quadro mais apropriado em cada caso. E o Magrebe e Médio Oriente são certamente duas regiões com vasta matéria-prima neste domínio. Analista de política internacional e segurança

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