Tropas russas avançam em território da Geórgia, sem conceder tréguas
Moscovo abre segunda frente na Abkházia.
Tbilissi e Washington dizem que a Rússia quer derrubar o Governo pró-ocidental de Mikhail Saakashvili
a As acusações continuavam ontem a voar entre Moscovo e Tbilissi, numa guerra de alegações difíceis de confirmar. Certo é que o conflito sofreu ontem uma escalada, tanto com um avanço russo na Ossétia do Sul como numa segunda frente, na Abkházia. O Presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, acusa a Rússia de o querer derrubar, uma ideia repetida ontem por George W. Bush. "Pode estar em curso uma tentativa de depor um regime estrangeiro", disse o Presidente norte-americano. "Isso é inaceitável no século XXI."Saakashvili disse que o país precisa de mais do que "apoio moral e ajuda humanitária" dos seus aliados.
O conflito no Cáucaso começou com um ataque da Geórgia à sua província rebelde (e russófona) da Ossétia do Sul, ao qual a Rússia reagiu com um ataque às forças georgianas na zona, e com uma deslocação militar para a Abkházia, a segunda província russófona separatista da Geórgia.
Ontem, a Rússia fez um ultimato às forças da Geórgia na Abkházia: ou entregavam as armas ou eram atacadas. Perante a recusa da Geórgia, a Rússia atacou. Moscovo confirmou uma incursão em território georgiano além da Abkházia, segundo a BBC.
O Presidente da Geórgia afirmou que estava a retirar as tropas de perto da Ossétia do Sul para defender a capital, onde a aviação russa tinha na véspera atingido alvos, como um aeroporto militar.
Antes, o Presidente russo, Dmitri Medvedev, considerava que as operações na Ossétia do Sul estavam "quase terminadas". Enquanto isso, surgiam relatos de tragédia de Gori, a localidade da Geórgia perto da Ossétia que alberga um centro militar e que foi atacada pela Rússia: "Eu tinha uma casa, eu tinha um pai", lamentava-se Gogita Kazahashvili, 29 anos, ao New York Times. "O meu pai morreu no bombardeamento", contou. "Enterrei-o no sítio onde era a casa."
Por outro lado, soldados russos traçavam um cenário diferente do das autoridades do seu país: "É terrível, é o inferno lá", dizia à AFP um soldado acabado de vir da Ossétia do Sul para um hospital da Ossétia do Norte, na Rússia. "Vi cabeças e braços arrancados", contou o soldado Sacha Popov, 23 anos, à agência francesa.
Século XX vs. século XXI
Entretanto, foi anunciado que os presidentes de cinco países da antiga esfera soviética - Polónia, Ucrânia e os três Estados bálticos - se vão deslocar a Tbilissi para apoiar a Geórgia. A Ucrânia foi a mais activa no apoio a Tbilissi e ameaçou bloquear o regresso da frota russa, caso os navios tomem parte num bloqueio marítimo à Geórgia, diz a Reuters.
Num artigo de opinião no Wall Street Journal Europe, o Presidente da Geórgia apresenta o seu país como aquele que, entre os países da antiga União Soviética, "mais progresso fez para a consolidação da democracia, a erradicação da corrupção e a construção de uma política externa independente", depois da revolução pacífica de 2004 que o levou ao poder. "É precisamente isso que a Rússia tenta destruir."
O conflito em curso no Cáucaso, continuou Saakashvili, "é sobre as grandes lutas de poder pela influência no século XX contra a via de integração e unidade definida pela União Europeia no século XXI".
Ossétia do Sul e Abkházia são de facto independentes mas formalmente pertencem à Geórgia. Quando chegou ao poder, Saakashvili declarou que a sua prioridade era voltar a ter as duas regiões sob controlo de Tbilissi. A Rússia sempre mostrou especial apoio político e financeiro a ambas as regiões, um apoio ainda mais forte após a declaração da independência do Kosovo, em Fevereiro, contra a vontade da Sérvia e da Rússia.
Os EUA acusaram ontem a Rússia de preparar antecipadamente a invasão da Geórgia. "Ouvimos que as tropas russas que entraram na Abkházia há uns meses estavam numa missão humanitária - agora sabemos que estas forças reconstruíram os caminhos-de-ferro para permitir a chegada de munições para uma invasão russa."