Vimos o futuro dos Sex Pistols (e não é brilhante)
Viveram depressa, morreram novos, mas não deixaram um cadáver assim tão bonito. Não devíamos ter visto os Sex Pistols anteontem, em Paredes de Coura. Devíamos tê-los visto em 1977, quando eles eram o presente. Agora que são o futuro, os Sex Pistols nunca existiram
a Johnny Rotten com um dente a menos e muitos quilos a mais (pagávamos para ver os Sex Pistols mas sobretudo pagávamos para não ver aquela barriga: pagávamos para não ver que afinal havia futuro, e era este), Glen Matlock de calças brancas e um bronzeado de solário, 17 discos pedidos (a versão integral de Nevermind the Bollocks, Here's the Sex Pistols e ainda I'm a lazy sod, Did you no wrong, No fun, (I'm not your) Stepping stone e, extra!, na compra de 15 canções dos Sex Pistols grátis um encore com Silver machine, dos Hawkind, e Roadrunner, dos Modern Lovers) e toda a tralha nacionalista (as bandeiras e, a abrir, uma canção do tempo em que Churchill ainda fumava charutos e bebia champanhe no bunker: There'll always be an England, o esforço de guerra de Vera Lynn): o futuro dos Sex Pistols é o nosso passado. Não lhes aconteceu nada de novo nos últimos 30 anos, e não nos aconteceu nada de novo anteontem à noite, quando os vimos em Paredes de Coura, a não ser isto: acabarmos de vez com os Sex Pistols (já estava na altura). Precisávamos de os ver para os podermos esquecer.Pagávamos para ver os Sex Pistols, dizíamos, e por isso é que pagávamos para não ver estes hooligans sem causa em que eles se transformaram (já eram hooligans em 1977, mas havia ali uma possibilidade qualquer, um propósito qualquer, e mais do que isso havia ali um disco depois do qual a música popular nunca mais foi a mesma) e para não ter de repetir este mantra antes de adormecer: não vimos os verdadeiros Sex Pistols, vimos os Sex Pistols de cera do Madame Tussaud's (e mesmo assim, admitimos, tivemos os nossos momentos, uns minutos de insanidade temporária em que chegámos a achar que ver os Sex Pistols ia ser voltar a casa, da mesma maneira que ver os Pixies em 2005 foi voltar a casa).
Vimos quatro punks reformados a transformarem a fúria iconoclasta de God save the queen e Anarchy in the UK (canções pelas quais, tínhamos isso bem presente na nossa cabeça de miúdos dos anos 80, se morreu e se matou) em souvenirs repetitivos de vidas passadas, com aquele ar de quem está de férias no Algarve e põe o "do not disturb" na porta do quarto (mesmo assim foram incomodados por um punk que se atirou para cima do palco: o tipo de anarquia pela qual os Sex Pistols morreram e mataram quando tinham 20 anos mas que não toleram agora que têm 50), e se o futuro é isso preferimos o passado.
"Your sound is shit, fix it. There's no need for this fucking feedback", disse Johnny Rotten quando falou connosco pela primeira vez. Podíamos dizer o mesmo, e de certa maneira dissemos: o público (que estava ali por causa deles e provavelmente voltava a estar daqui a uma semana, mesmo sabendo que era a isto que vinha, e que isto não é nada) não se atirou às canelas dos Sex Pistols como quem se atira às canelas da última banda que precisa de ver para poder morrer em paz. Foi uma troca justa: tivemos o que merecíamos (os Sex Pistols que merecíamos: para merecermos melhor tínhamos de ter estado lá, quando eles eram o presente), mas eles também.
Para lá dos hooligans
Os Sex Pistols eram a conversa que tínhamos de ter acerca desta edição do Festival de Paredes de Coura (olhamos para o cartaz e não encontramos mais nada que nos faça correr, para o bem e para o mal) e já tivemos. Mas podemos mudar de assunto (também pagávamos para isso) e dizer outras coisas, mais empolgantes, sobre os concertos do primeiro dia: podemos dizer que os Bunnyranch são a banda que queremos ouvir quando formos grandes mafiosos e tivermos o sonho americano de subir na vida (Top top to the top e um Martini rosso: podíamos passar mais finais de tarde nisso) e também podemos dizer que os X-Wife vão subir na vida com o próximo álbum (ouvimos ontem e já temos saudades de On the radio, onde por momentos eles parecem querer levar-nos para África, coisa que nunca nos tínhamos atrevido a pensar dos dois primeiros discos: lembrámo-nos dos Extra Golden, isto é grave?). Pode ter sido o concerto da noite: 10 canções directas ao assunto, mais sólidas do que alguma vez as tínhamos visto (e algumas, como Eno, Ping pong, Rockin' Rio e, isto já é pessoal, When the lights turn off, vimos mesmo muitas vezes) e aqueles dois singles (além de On the radio, houve Fireworks) que podem muito bem ser o futuro, já que os Sex Pistols, enfim, adiante.
Mais casos do dia: o rock FM dos Bellrays, que praticamente já esquecemos (mas continuamos a lembrar-nos de Lisa Kekaula: grande voz, grande afro, grandes pernas), e, finalmente, os Mando Diao, sete rapazes suecos (trouxeram um trompetista e um saxofonista para poderem estar à altura dessa aventura sinfónica que é o último álbum, Never Seen the Light of Day) que nunca farão os discos da vida de ninguém (isso fazem os Sex Pistols, mas enfim, adiante) mas fizeram um concerto que merece pelo menos cinco minutos de fama: os cinco minutos de Song for Aberdeen, por exemplo, mas há mais: ao contrário de uns e outros, os Mando Diao já gravaram quatro álbuns (que esta seja a última vez que falamos dos Sex Pistols).