Uma luta pelo amor, ou a vida desesperada dos homossexuais muçulmanos
Filmado clandestinamente em várias partes do globo, o documentário A Jihad for Love revela
a difícil conciliação entre o Islão e uma opção sexual que este condena
a A Jihad for Love pode não ser um campeão de bilheteiras, mas o documentário sobre a luta dos gays e lésbicas muçulmanos está a gozar de algum grau de aclamação por parte da crítica porque retrata um tema muitas vezes rodeado de mistério. O seu realizador, Parvez Sharma (também ele homossexual), passou o ano a mostrá-lo em cinemas e festivais um pouco por todo o mundo - a última exibição foi na Outfest, um festival de cinema gay e lésbico de Los Angeles.
Filmado clandestinamente em 12 países ao longo de seis anos, o filme abre uma janela para as vidas dramáticas de gays e lésbicas muçulmanos que tentam conciliar a sua orientação sexual com a devoção a uma fé que condena o seu modo de vida.
Alguns foram espancados ou presos. Outros foram forçados a fugir das suas casas. Muitos têm os seus rostos filmados na obscuridade para proteger a identidade e evitar que as suas famílias sofram represálias.
Mas Sharma, 35 anos, que antes de realizar este documentário trabalhou como jornalista na Índia, explica que o seu objectivo não é atacar o Islão mas sim iniciar uma discussão sobre o dilema que força muitas pessoas a viverem vidas de um desespero silencioso. E aí, explica o realizador, é que está o significado por trás do título do filme: Jihad, sempre associada a guerra santa, significa literalmente "combate" ou "lutar no caminho de Deus".
"Há enormes diferenças entre os muçulmanos sobre a forma de lidar com a homossexualidade", diz Sharma. "Na maioria dos casos, optam por ignorar a sua existência desde que seja mantida secreta ou privada". O documentário - o primeiro deste realizador indiano -, foi filmado no Egipto, Turquia, Índia, África do Sul, França e outros países.
O problema para muitos dos entrevistados por Sharma é que eles se recusam a manter-se silenciosos ou a ignorar o seu desejo de amar apesar dos riscos. E isso conduz, invariavelmente ao conflito com a sua religião, as suas famílias, os seus países e consigo próprios.
Veja-se a experiência de Mazen, um egípcio com 20 e poucos anos que no filme é preso durante uma rusga policial a uma discoteca gay e depois acaba por ser violado na prisão. Foge para França antes que uma segunda, e mais longa, sentença de prisão lhe possa ser aplicada. Hoje mantém a sua fé no islão. "Tenho a certeza que Deus tem uma razão para tudo aquilo que me aconteceu", diz ele no filme. "Sei que ele está sempre comigo".
Depois Maryam, uma lésbica também a viver em Paris, que mantém uma relação de longa-distância com a sua namorada, Maha, no Cairo. Numa das suas visitas a França, Maha pergunta: "Porque é que não podemos viver juntas e ao mesmo tempo viver com Deus?" Maryam responde: "Não sei se isso é possível. Não sei mesmo".
Para fazer A Jihad for Love, Sharma juntou-se à produtora Sandi DuBowski, que fez o documentário de 2001 Trembling Before G-d, sobre o que é ser gay ou lésbica ao mesmo tempo que se é judeu ortodoxo ou hassídico. Embora os dois filmes abordem questões semelhantes, o documentário de Sharma foi especialmente difícil de fazer por causa dos perigos (vigilância policial e ameaça de prisão) que ele conseguiu evitar.
Sharma - que se veste com jeans, óculos de aros vermelhos e um colar com uma medalha dourada com o nome de Alá gravado em árabe - diz que muitas vezes se fez passar por turista enquanto filmava, gravando as suas entrevistas no meio de imagens inócuas.
"A maior dificuldade foi estabelecer relações de confiança com cada uma das pessoas que aparece neste filme", conta.
A Jihad for Love estreou no Festival Internacional de Cinema de Toronto no passado mês de Setembro. Desde então foi exibido em festivais na Alemanha, México, Brasil, Índia, Grécia, Turquia, África do Sul e Inglaterra. Sharma diz que alguns dos seus amigos já fizeram entrar cópias do documentário no Irão, no Paquistão e na Malásia.
O filme gerou algumas reacções negativas. Foi banido em Singapura, o Conselho Judicial Muçulmano da África do Sul declarou Sharma apóstata e o realizador recebeu já algumas ameaças de morte no seu blogue onde, diga-se, a maior parte das mensagens sobre o filme são positivas.
No Outfest, depois de verem o documentário, muitos muçulmanos - hetero e homossexuais - disseram que ficaram satisfeitos por descobrir que Sharma retratou o Islão com respeito. "Como mulher muçulmana, achei que o seu filme é incrivelmente belo e espiritualmente inspirador", disse Nagwa Ibrahim, uma advogada de 30 anos, durante uma sessão de perguntas e respostas com o realizador. "Fiquei muito comovida com a humanidade do seu filme."
Sharma explicou que a perseverança dos seus entrevistados, e a sua disponibilidade para falarem abertamente sobre a sua luta, renovou a sua própria devoção ao Islão. "Encontrei um profundo respeito pela religião através destas pessoas, através da sua imensa religiosidade", disse. "Estou mais perto do que alguma vez consegui estar da fé profunda, da fé absoluta".
Exclusivo PÚBLICO/ Los Angeles Times