Para Hamdan é indiferente "ser absolvido ou condenado"
Exclusão de provas obtidas sob coacção no caso do ex-motorista de Bin Laden antecipa problemas nos casos de detidos sujeitos a tortura
a Professor de Direito da Loyola Law School de Los Angeles, David Glazier foi oficial da Marinha de Guerra dos EUA. Nos últimos cinco anos publicou vários artigos sobre Guantánamo e as suas comissões militares e tem acompanhado o julgamento de Salim Hamdan, o ex-motorista de Osama bin Laden, que começou há uma semana. Foi este caso que levou o Supremo a declarar inconstitucionais as primeiras comissões militares para os suspeitos da "guerra ao terrorismo". Em resposta, o Congresso aprovou o Military Commissions Act, a lei que regula o julgamento que agora começou. Mas nada garante que este termine sem que a justiça civil volte a questionar as novas comissões, diz Glazier.O julgamento de Hamdan tem sido descrito como um teste. A Administração Bush precisa de provar que as comissões podem funcionar?
Sim, este julgamento é essencialmente uma tentativa de estabelecer credibilidade suficiente para que seja possível julgar detidos de mais valor, como Khalid Sheik Mohammad [alegado autor da conspiração do 11 de Setembro].
A exclusão de provas obtidas sob coacção pode dificultar julgamentos como o de Mohammad, que foi torturado?
Nada obriga outros juízes a seguirem as mesmas interpretações adoptadas no caso Hamdan. Mas é provável que tenham influência e as decisões desta semana sugerem que o Estado pode contar com dificuldades significativas para apresentar provas obtidas junto de detidos mais importantes, e que foram alvo de interrogatórios muito mais coercivos do que Hamdan. Ele foi escolhido como um caso "fácil" para abrir caminho aos grandes julgamentos. É possível que seja condenado mas mine acusações futuras.
Resta alguma ideia de justiça, depois de os detidos terem passado anos sem acusação ou acesso a defesa?
A pergunta tem aspectos legais e políticos. Não penso que a opinião pública mundial possa considerar que um julgamento é justo se o acusado não tem direito a ser representado por um advogado em que confie. Essa questão nem sequer é muito grave no caso de Hamdan; ele já tem uma relação longa com advogados que até levaram o seu caso ao Supremo. Mas há outros detidos que não confiam nos americanos e os EUA têm-lhes recusado advogados da sua nacionalidade. Todos os julgamentos de crimes de guerra modernos permitiram que os detidos escolhessem o seu advogado e esse deverá ser um dos problemas de credibilidade nos casos que se possam seguir.
E em termos legais?
Falta perceber exactamente que padrões legais vão regular estas comissões. Originalmente, eles estavam presos preventivamente, ao abrigo da autoridade geral da lei da guerra, que só prevê um advogado no julgamento. Antes de ser formulada uma acusação, o objectivo formal dos interrogatórios era obter informações, e aí a lei americana não prevê o direito a um advogado. Mas há uma tendência crescente na maioria dos sistemas legais e nos tribunais internacionais para estabelecer o direito à representação por um advogado escolhido pelo acusado.
Mas as novas comissões militares herdaram outros problemas, como as limitações no acesso da defesa às provas.
As próprias acusações são problemáticas. Vários detidos, como Hamdan, são acusados de "conspiração" e de "apoio material ao terrorismo". Na lei criminal regular dos EUA essas acusações existem, mas muitos especialistas não acreditam que constituam violações da lei da guerra. Há ainda a questão das provas: a nova lei excluiu as obtidas sob tortura, mas dá aos juízes margem para admitir provas obtidas sob coacção. E como a defesa tem uma desvantagem substancial no acesso às provas, pode nem conseguir mostrar que algumas declarações foram conseguidas através de tortura.
O que é que acontece se Hamdan for absolvido?
A detenção de Hamdan é justificada como uma medida preventiva autorizada pela lei da guerra e não como uma reclusão pré-julgamento baseada nas acusações. Por isso, mesmo que seja absolvido, pode permanecer recluso até fim da "guerra". Em termos práticos não fará nenhuma diferença se ele for absolvido ou condenado. Excepto se Guantánamo for encerrada; nesse caso será muito mais fácil justificar que ele permaneça detido se tiver sido condenado.
E se for condenado, os recursos podem arrastar-se?
Para além dos recursos, que podem chegar até 2009, Hamdan deverá pedir nova revisão ao Supremo - que demorará meses a recusar ouvir o caso ou mais de um ano se decidir ouvi-lo. Não é improvável que outros detidos questionem entretanto a jurisdição das comissões através de petições de habeas corpus e não é impossível que outro juiz ordene que as comissões parem, o que pode voltar a adiar o caso de Hamdan.