Dinossauros
Paleontóloga portuguesa publica o primeiro roteiro dedicado a rastos de dinossauros
em Portugal. Leva-nos a 19 sítios, muitos deles à espera de visita. Por Teresa Firmino
a Ela anda atrás deles, mas eles são esquivos. Na verdade, desencontraram-se no planeta por dezenas, nalguns casos mesmo centenas, de milhões de anos. O motivo é óbvio: os dinossauros extinguiram-se há 65 milhões de anos, por culpa de um meteorito. É portanto pelas marcas das suas patas que ela os estuda, ininterruptamente desde 1991. Vanda Santos é a única paleontóloga portuguesa dedicada à investigação de pegadas de dinossauros - e acaba de transformar a sua tese de doutoramento num livro de divulgação científica, o primeiro do género centrado nas marcas deixadas em Portugal por estes animais pré-históricos. A paixão da paleontóloga pelos dinossauros - ou dinossáurios, como ela prefere dizer -, leva-nos até à licenciatura de Geologia, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Fazia saídas de campo, como os geólogos costumam fazer. "Toda a gente andava a ver falhas geológicas e exemplos de tectónica. Eu andava à procura de fósseis." Na altura, o que a fascinava eram os fósseis em geral, mas depois descobriu que as pegadas de dinossauros que conhecia dos documentários na televisão e dos livros de história natural não existiam apenas noutros países. "Descobrir que havia pegadas em Portugal foi uma surpresa."
Já se adivinha que trabalho escolheu para o final da licenciatura, concluída em 1990, e para tal pediu a ajuda de paleontólogos, com quem visitou as pegadas do cabo Espichel e de Carenque, em Sintra. O resultado (Icnofósseis de dinossáurios de Portugal. Alguns aspectos paleoecológicos) era já uma súmula das pegadas conhecidas no país. Eram então dez sítios. "Esse primeiro trabalho foi um trampolim. Vi que este tema era interessante; que havia muitas pegadas para estudar."
Descobertas em 1986, as pegadas de Carenque iriam estar no centro de uma batalha na década seguinte, que metia a construção da Circular Regional Exterior de Lisboa (CREL). Noventa milhões de anos antes, os dinossauros imprimiram ali mais de uma centena de marcas das suas patas, ao longo de quase 140 metros. "Andávamos entusiasmados com a pedreira de Carenque, quando ouvimos falar da CREL. Caiu-nos a alma aos pés: CREL!?"
A batalha, cujo rosto mediático foi o geólogo António Galopim de Carvalho, então director do Museu Nacional de História Natural, acabou por pender para o lado da preservação das pegadas, com a construção de dois túneis sob a jazida. E Vanda Santos ficou apegada de vez aos dinossauros. Através de bolsas e projectos de investigação, percorreu o país de lés-a-lés atrás das pegadas que eles nos deixaram cá. Desenhou-lhes os contornos (por vezes pondo um plástico por cima e traçando a silhueta com uma caneta de acetatos) e extraiu todas as informações possíveis sobre os animais que as imprimiram
no chão.
O que é um dinossauro?
Porquê pegadas? O que têm de peculiar? "Acho-lhes piada. Não temos os dinossauros por aí. O que temos são os ossos ou as pegadas", responde Vanda Santos. "A melhor maneira de sentir a presença deles é seguir-lhes os rastos. As pegadas dão a velocidade [a que o animal caminhava], mudanças na locomoção, as dimensões dele." Se houver muita informação preservada numa boa pegada, os cientistas conseguem ainda saber em que ambiente é que o dinossauro andou quando legou para o futuro as suas marcas - se era, por exemplo, um lago - e há quanto tempo foi a caminhada.
Toda esta investigação culminou na tese de doutoramento, defendida em 2003 na Universidade Autónoma de Madrid. Foi a primeira pessoa doutorada em paleontologia de dinossauros em Portugal. Agora, aos 41 anos, o Museu Nacional de História Natural, onde Vanda Santos colabora e trabalha há 18 anos, editou-lhe a tese adaptada a livro de divulgação científica, acessível a qualquer pessoa, com o apoio da Ciência Viva-Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica. Pegadas de Dinossáurios em Portugal custa 15 euros e funciona como um guia dos principais sítios com pistas. Estão lá 19.
Mas o livro explica muitas outras coisas, começando pela mais óbvia: o que é um dinossauro. "Os dinossáurios existiram durante um vasto período de tempo. Surgiram no Triásico Superior, há cerca de 230 milhões de anos, e uma parte significativa deles extinguiu-se no final do Cretácico, há 65 milhões de anos." Uns eram bípedes, outros quadrúpedes, uns eram herbívoros e outros carnívoros ou omnívoros. Algumas espécies viviam em manadas. "Na verdade, não se extinguiram na totalidade, pois um grupo de dinossáurios sobreviveu à grande extinção do final do Cretácico: as aves", lê-se.
"O facto de actualmente as aves serem incluídas no grupo de dinossáurios não as torna diferentes daquilo que conhecemos. Não deixam de ser aves por isso. É só uma questão de se considerar que pertencem a um grupo biológico mais amplo e que isso se prende com a importância, maior ou menor, que é atribuída à diferenciação que atingiram relativamente aos dinossáurios, dos quais são descendentes directos."
Como ocorreu a fossilização de uma pegada e se identifica o animal que a produziu, uma tarefa complexa, é também esmiuçado no livro. Também é traçada a história do estudo das pegadas a nível internacional. A primeira referência mundial a pegadas fósseis teve lugar no vale do rio Connecticut, no Massachusetts (Estados Unidos), em 1802, mas foram então atribuídas a aves como as modernas avestruzes. Só em 1828 é feita a primeira descrição científica de pegadas fósseis relativa a um conjunto de marcas numa laje na Escócia.
Pistas para algumas visitas
A primeira notícia sobre dinossauros nos jornais portugueses foi publicada a 11 de Junho de 1884: O Occidente, Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro relatava a descoberta do esqueleto de um dinossauro em Bernissart, na Bélgica, e a sua exposição em Bruxelas, em 1883. Nesse mesmo ano, no Cabo Mondego (Figueira da Foz), encontravam-se as primeiras pegadas de dinossauros em Portugal. Na verdade, a descoberta destas pegadas é também das mais antigas do mundo.
Pedimos a Vanda Santos que, entre os 19 locais com rastos de pegadas em Portugal, destacasse alguns. O Cabo Mondego é um deles. Do período do Jurássico Superior, com 158 milhões de anos, as marcas foram deixadas por terópodes, grupo de dinossauros carnívoros. Foram alvo dos primeiros estudos sobre pegadas no mundo, pelo naturalista Jacinto Pedro Gomes (1844-1916), do Museu Mineralógico e Geológico da Escola Politécnica (onde agora é o Museu Nacional de História Natural).
"Porém, Jacinto Pedro Gomes não publicou nem o estudo que realizou, nem os resultados de conversas com investigadores de museus de história natural da Europa com quem contactou", conta Vanda Santos no livro. "O trabalho deste naturalista foi publicado 32 anos mais tarde, a título póstumo."
Situadas numa arriba, as pegadas foram ainda naqueles tempos alvo de uma recolha que as salvou da destruição pela acção do mar. Algumas ficaram na arriba, outras encontram-se no Museu de História Natural de Lisboa e no Museu Geológico e Mineiro, também na capital, onde podem ser vistas.
Em 1994, descobriu-se um importante sítio com pegadas com 168 milhões de anos, perto da localidade do Bairro, entre Torres Novas e Fátima. No fundo do buraco onde laborava a antiga Pedreira do Galinha, havia várias pistas de dinossauros saurópodes (grupo de herbívoros quadrúpedes), duas das quais estão entre as mais longas a nível mundial, com 147 e 142 metros de comprimentos. Junto ao imenso buraco da pedreira, o visitante pode ter uma visão do que está lá para baixo: "Quando observada no início da manhã, com luz rasante à superfície, a laje com as pegadas parece uma área com sedimentos recentemente pisados pelos dinossáurios, que deixaram para trás os seus rastos. Trata-se de uma superfície de 40 mil metros quadrados e centenas de pegadas de saurópodes, organizadas em, pelo menos, 20 pistas."
Entre as centenas de pegadas, detectaram-se ali várias que apresentam duas formas únicas no mundo, que corresponderão a estruturas da mão dos dinossauros diferentes das conhecidas entre os saurópodes.
Também situado nas Serras de Aire e Candeeiros, como a Pedreira do Galinha, o sítio Vale de Meios destaca-se pelas centenas de pistas paralelas de terópodes - tinham dois a três metros até à anca e deslocavam-se a velocidades de quatro a sete quilómetros por hora - e alguns saurópodes. Tal como as pegadas da Pedreira do Galinha, são as mais antigas do país.
Outro dos sítios escolhidos por Vanda Santos fica a norte do Cabo Espichel, na laje da Pedra da Mua. Aí, encontraram-se os rastos de duas manadas de saurópodes - um grupo de sete animais pequenos e, atrás deles, outros três. Têm 145 milhões de anos.
Mas para a cientista, é no Algarve que estão umas pegadas muito especiais: de ornitópodes (dinossauros bípedes herbívoros), com 130 milhões de anos. "A praia Santa, em Vila do Bispo, tem as pegadas mais bonitas de ornitópodes de Portugal. Estão muito bem conservadas. Vêem-se bem os dedos e os calcanhares estão muito bem marcados." Só quem conhece as arribas da praia é que sabe onde estão e, por um carreirinho, pode chega até elas.
Para a sua dimensão, Portugal é muito rico em vestígios de dinossauros em geral, pegadas incluídas. Agora, toda a gente pode seguir-lhes o encalço.