Os Tudors voltam para romper com o Vaticano
Mais um capítulo da Tudormania, depois de filmes, livros e telefilmes baseados na dinastia inglesa
a Justas, corpetes, execuções, um Henrique VIII distante do verdadeiro monarca das seis mulheres e muitas liberdades históricas. Tudo ao serviço da ficção televisiva sensual à la Showtime (como antes dizíamos à moda da HBO), ao sabor de uma Tudormania que no último ano se agigantou. Hoje, às 23h30, a RTP1 começa a exibir, em dose dupla diária, a segunda temporada de Os Tudors. Em cinco dias úteis, esgotam-se os dez novos episódios da série sobre a vida do rei que converteu Inglaterra ao divórcio e fundou a Igreja Anglicana.A Tudormania fez-se então do romance de cordel Tudor (o de Philippa Gregory, Duas Irmãs, Um Rei), do filme nele inspirado a falar ao ouvido daqueles que sempre sonharam com uma dupla Natalie Portman/Scarlett Johansson (a revista Empire exclamava "Como é que não nos tínhamos lembrado disto?!") e de uma série com Jonathan Rhys Meyers a encarnar um rei mitificado, com a tónica na pulsão sexual e no desejo de um herdeiro homem. E, não esquecer, houve um Emmy para Helen Mirren, A Rainha herself, pelo papel de mais uma Tudor no telefilme Elizabeth I, da HBO.
A RTP1, que exibiu a primeira temporada em Outubro, torna-a numa mini-série de late night. Um horário adequado às cenas mais tórridas de uma corte em que as mulheres são objectos ao serviço dos interesses das famílias e da política internacional - as relações tensas com França, Itália e Espanha, com o Vaticano, em plena reforma protestante de Martinho Lutero e com o Renascimento, a era Shakespeare, as Descobertas e guerras como pano-de-fundo.
Dinastia criativa
A cumprirem-se os preceitos da primeira leva de episódios, tudo o que é do foro da alcova é aguerrido, dialogante e ofegante, em contraste com os dilemas diplomáticos mais cautelosos, pesados como as tapeçarias que forram as paredes do palácio real. Henrique VIII (1491-1547) teve seis mulheres e na série já conhecemos as duas primeiras: Catarina de Aragão, a devota católica, e Ana Bolena (Natalie Dormer), cujos jogos de bastidores e de interiores o levam a desejá-la (e a um filho varão) mais do que ao Papa, procurando o divórcio com Catarina. A cisão com Roma, a instauração da Igreja de Inglaterra e do monarca como seu supremo líder religioso, além da consumação do casamento com Ana são o sumo dos novos episódios.
A série é assinada por Michael Hirst, que escreveu os filmes Elizabeth e Elizabeth: A Idade do Ouro e só foi convencido pela Showtime a fazer uma "telenovela real" sobre os Tudor depois de lhe terem mostrado Os Homens do Presidente, de Aaron Sorkin, e Os Sopranos, de David Chase. Dois dos exemplos maiores de ficção televisiva americana, que o fizeram juntar a televisão à sua já cinematográfica experiência Tudor. Que o integrou numa dinastia criativa muito própria, que ao longo de gerações se debruçou sobre a corte de Henrique VIII. Mark Twain e Ford Madox Ford na literatura, Ernst Lubitsch (Ana Bolena, 1920) no cinema, por exemplo, além dos actores e actrizes que se vestiram de Henrique VIII ou de Isabel I (Charles Laughton, Sarah Bernhardt, Bette Davis).
O olhar intenso de Jonathan Rhys Meyers, francamente distante do aspecto real do monarca, que lembramos sobretudo pelo quadro de Hans Holbein, condiz com o guarda-roupa de Joan Bergin ("um ar Tudor sexy, moderno") e com o design de produção de Tom Conroy. Já a narrativa destoa bastante da verdade histórica.
Na primeira temporada, a personagem da princesa Margarida, irmã de Henrique que casa com um rei português, é uma súmula de Maria e Margarida Tudor, as verdadeiras irmãs do monarca. Maria Tudor casou com um rei idoso, mas era Luís XII de França, por exemplo. Várias figuras históricas convivem com personagens absolutamente ficcionais e algumas ganham cores que não seriam as suas - Thomas Tallis, o compositor da corte, existiu, mas não há relatos da sua homossexualidade. Há muitas outras liberdades narrativas. Mas, afinal, Os Tudors são uma ficção histórica. E bastante sexualizada, por sinal. Nos EUA, já vai para a terceira temporada, a estrear no próximo ano.