O Centro de Arte Moderna visto por três artistas
Três artistas plásticos de diferentes gerações escrevem sobre o Centro de Arte Moderna
da Fundação Gulbenkian, que hoje faz 25 anos. O que foi, o que é, como pode - e deve - mudar
Uma referência a que hoje falta dinâmica
A Fundação Gulbenkian foi sobretudo determinante no meu tempo de estudante. A programação, em geral, era de grande qualidade e actualidade internacional. Ainda hoje recordo os momentos memoráveis proporcionados pelo Jazz em Agosto, os concertos ao final do dia no Grande Auditório, as temporadas de dança do Ballet Gulbenkian, e as exposições e conferências a que tive oportunidade de assistir nessa altura. Lembro-me, em particular, de exposições que me permitiram contactar com o trabalho de artistas que admiro como o Carl Andre ou o Hélio Oiticica e a marcante conferência do Richard Serra. Em relação aos acontecimentos mais recentes, sublinho o esforço de renovação e beneficiação dos magníficos espaços exteriores da fundação, um dos lugares mais agradáveis da cidade de Lisboa, embora essa intervenção não fosse também acompanhada pela actualização do núcleo escultórico, sinal de alguma estagnação no domínio das artes plásticas. Já com alguma tristeza tenho a referir a extinção do Ballet Gulbenkian. Um dos aspectos fundamentais da actuação da Gulbenkian tem sido o programa de concessão de bolsas e apoios aos criadores mais jovens, estímulos que se têm revelado essenciais para a internacionalização das carreiras artísticas, a exemplo do apoio que me foi concedido num momento determinante do meu percurso, quando fui convidada para participar na Bienal de Veneza de 2005.
A Gulbenkian e o CAMJAP foram durante muito tempo espaços de referência na produção artística contemporânea, mas, nos tempos mais recentes, essa dinâmica e actualidade parecem ter-se perdido, dando a sensação que alguns quadros responsáveis não foram oportunamente renovados. Estou, no entanto, convicta de que a Gulbenkian saberá renovar-se a breve prazo, até porque continua a usufruir de excelentes condições e o país necessita de uma Gulbenkian fortalecida e mais contemporânea.
Joana Vasconcelos, 36 anos
Artista plástica
Foi pioneiro, agora é pouco ágil
Antes de mais, é importante dizer que o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP) faz 25 anos no ano em que faço 24, e que, necessariamente, a minha memória sobre a acção do centro e a vivência do espaço e dos seus programas é relativamente recente. Tornei-me frequentador assíduo do CAM há cerca de seis, sete anos, menos de um terço do tempo em que está em actividade, por isso é-me difícil perceber a sua verdadeira importância no panorama artístico de Lisboa. Essa primeira existência do CAM como um farol na arte portuguesa é para mim uma realidade distante. Quando comecei a visitar sistematicamente exposições, já havia um grande número de outras instituições, museus, galerias, etc.Quando há uns anos respondi a um inquérito sobre o número de visitas por ano ao centro e a última baliza era mais de 15, tive de responder ironicamente: mais de 200! É impossível contabilizar o numero de vezes que lá fui, a entrada para estudantes era gratuita (deixou de o ser recentemente). Volto muitas vezes para ver uma ou outra peça da colecção, a cafetaria também se tornou um ponto frequente para beber café com amigos.
Lembro-me de algumas exposições que foram muito importantes no meu período de formação, como a Work in Progress do Fernando Calhau e a L'Orage do Francisco Tropa, entre outras.
Acho que ultimamente o ritmo tem abrandado e que as exposição duram tempo de mais (não acho, no entanto, que isto tenha afectado a qualidade das propostas apresentadas) e que as incursões num sistema artístico internacional são tímidas.
O CAM, pelo seu carácter pioneiro, comprometeu-se como a apresentação de uma colecção representativa da arte portuguesa a partir do modernismo, construindo uma memória da arte portuguesa que não existia, e isto parece-me essencial. Num período de necessária reformulação e numa cidade ainda com carências no campo da arte contemporânea, o centro tem de assumir uma posição mais dinâmica e ágil, que seja um mecanismo de medir o pulso à contemporaneidade, não sendo isto de algum modo inconciliável (pelo contrário) com as suas responsabilidades históricas.
André Romão, 24 anos
Artista plástico
Colecção única num centro fora do circuito internacional
O Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian abria ao público em 1983. A inauguração deu-se mo início da década de 80 do século passado, década caracterizada, entre nós, por pulsões fortes e contraditórias.O processo de concepção e construção do CAM tinha sido complicado, marcado inicialmente pela falta de consenso dentro do próprio conselho de administração da fundação e, depois, pelas críticas ao projecto de arquitectura e à inevitável amputação do jardim. O programa inicial, que previa um centro de arte em que apareciam integrados as artes plásticas e performativas, com ateliers para a criação de obras originais e uma relação dinâmica e informal com a comunidade, foi substancialmente alterado com a instalação naquele espaço de duas instituições independentes: o CAM e o Acarte. Por razões ligadas à natureza da própria fundação estes dois serviços nunca funcionaram sequer de forma integrada, o que levou ao nascimento de duas "casas" com culturas e personalidades diferentes dentro do mesmo espaço.
O CAM cresceu como um centro/museu em que a componente museu foi ganhando mais peso, com uma correspondente perda de agilidade, mas sem nunca se definir claramente por nenhum dos dois caminhos.
A direcção do CAM foi, nos seus primeiros dez anos, entregue a uma pessoa que marcou o meio artístico português da segunda metade do século XX e que tinha estado ligado ao projecto desde o início: José Sommer Ribeiro.
As suas qualidades humanas, o seu talento de diplomata, permitiram-lhe materializar o projecto do CAM e dirigir os destinos daquela casa num contexto institucional muito difícil. O projecto arquitectónico do CAM, marcado desde o início pela gestação acidentada de encomenda, e apesar da competência da equipa de projectistas, ficou longe da qualidade exemplar do edifício-sede da Fundação Gulbenkian. As características dos espaços da exposição, a ligação com a cidade, foram alguns aspectos que logo mostraram deficiências difíceis de gerir.
Apesar das dificuldades institucionais atrás referidas, que se reflectiram na dificuldade de constituir uma equipa e definir claramente um programa, Sommer Ribeiro conseguiu fazer uma obra notável. A constituição de uma colecção única de arte portuguesa, só possível pelo seu bom relacionamento com os vários intervenientes no "mundo da arte" em Portugal, é talvez o aspecto que me parece mais importante do seu período à frente do CAM. Infelizmente a colecção ficou quase exclusivamente centrada na produção portuguesa, não permitindo a contextualização das nossas artes visuais num meio mais alargado.
A colecção é, de certa forma, um espelho da programação, em que foi dada muita importância às exposições monográficas de artistas portugueses, acompanhadas da edição de catálogos que, apesar da qualidade irregular das colaborações, tiveram grande importância, dada a escassez da nossa historiografia e a pobreza do nosso meio editorial nesta área. A concentração da atenção e dos meios na produção interna impediu a inserção da actividade do CAM num circuito internacional. Alguns exemplos numericamente pouco significativos de grandes exposições internacionais, como a exposição Diálogos, tiveram impacto no meio local, mas são mais a excepção do que a regra.
O CAM foi, no seu período inicial, e esse período foi muito importante para a construção da imagem com que dele fiquei, uma instituição pioneira, num meio onde não existia mais nada dedicado à arte moderna e contemporânea. No seu pioneirismo ocupou um espaço histórico de transição entre a incultura do Estado Novo, o ensimesmamento do PREC e a postura aberta e cosmopolita que começou a afirmar-se a partir da segunda metade dos anos 80.
Rui Sanches, 54 anos
Escultor e director adjunto
do CAM entre Julho de 1994
e Setembro de 1998