Cientistas publicam os dez mandamentos sobre a raça
Há que ter cautela com
as investigações que querem descobrir ao nível dos genes o que nos diferencia,
em termos populacionais
a O genoma humano não tem raça: essa era a mensagem forte que lançaram os milhares de cientistas a 13 de Fevereiro de 2001, quando foi publicada a sequenciação dos três mil milhões de pares de letras que compõem o livro de instruções para fabricar um ser humano. Mas se a frase ribombou por todo o planeta, a verdade é que não é consensual entre os cientistas. Após muitos anos de discussão, uma equipa de cientistas ligados à Universidade de Stanford, na Califórnia, acaba de publicar os "dez mandamentos" para o uso de categorias raciais nos estudos de genética humana.Afastar os fantasmas do racismo ao mesmo tempo que se estabelecem linhas éticas orientadoras da investigação científica é o objectivo deste grupo de cientistas que publica esta proposta na revista científica Genome Biology.
"O gene é um ícone poderoso na imaginação popular e é muitas vezes entendido - mal - como sendo determinista e imutável. Mais, a história lembra-nos que a ciência pode ser facilmente usada para justificar estereótipos raciais e políticas racistas", escreve a equipa. Entre outros nomes sonantes que assinam o artigo está Luigi Cavalli-Sforza, uma referência no estudo da genética humana e no desenvolvimento da ideia de que não há grandes diferenças entre as raças humanas, e de que a própria ideia de "raça" não tem sentido em termos biológicos.
A genética e o racismo têm uma relação longa e atribulada - que é anterior até à invenção da ciência genética. Isto porque as diferenças no aspecto dos seres humanos - a cor da pele, a forma dos olhos, a altura e a constituição física - sempre serviram aos homens para estabelecer diferenças: distinguir entre "nós" e "eles", que parece ser uma tendência natural nos seres humanos.
Cientistas dividem-se
Mas se os cientistas não conseguem concordar sobre se é possível distinguir mesmo raças ao nível genético ou não, de uma coisa estão certos: as divisões tradicionais, baseadas na cor da pele, não fazem qualquer sentido. Isso sabem-no pelo menos desde 1972, quando Richard Lewontin, da Universidade de Harvard, demonstrou num artigo científico que a maior parte da variação genética humana ocorre entre indivíduos, e não entre grupos de humanos que partilhem determinadas características étnicas.
Mas há cientistas que defendem que é possível utilizar alguns marcadores genéticos para dividir os humanos consoante a sua ascendência - embora os resultados de algumas experiências sejam surpreendentes, como a de David Goldstein, do University College de Londres, que descobriu que é possível inserir num mesmo grupo - ou raça - a maior parte dos noruegueses, 62 por cento dos etíopes, judeus Ashkenazi e arménios.
Estes cientistas têm objectivos nobres - por exemplo, descobrir a que doenças as pessoas são geneticamente mais susceptíveis, e desenvolver testes genéticos e tratamentos mais adequados. Foi essa a ideia que levou a Food and Drug Administration (a agência que regula os alimentos e os medicamentos nos EUA) a autorizar, em 2005, a comercialização do medicamento BiDil especialmente para os negros americanos com doenças cardíacas, por parecer ser mais eficaz neste grupo - embora o porquê não fosse claro.
Só que há cientistas que não vêem utilidade em tentar dividir os seres humanos em grupos - e defendem que categorizações baseadas em diferenças genéticas serão arbitrárias. A equipa que elaborou estes dez mandamentos concorda: "Dar demasiado relevo à contribuição genética para doenças humanas complexas ou comportamentos pode promover o racismo", escrevem os cientistas na Genome Biology.
E há que reflectir nos caminhos por que segue a investigação, para impedir o desenvolvimento de ideias racistas, sublinham os cientistas, logo no primeiro mandamento: "A igualdade de direitos de todos os seres humanos é uma afirmação moral inquestionável, que não pode ser posta em causa por descobertas científicas descritivas."