Daniel Sanches não foi arguido em inquérito sobre adjudicação
O ex-ministro da Administração Interna de Santana Lopes nunca chegou sequer a depor. O procurador do inquérito não ouviu testemunhas nem arguidos
a O procurador responsável pelo inquérito à adjudicação do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) nunca ouviu nem constituiu arguido Daniel Sanches, durante os três anos que durou a investigação. Sanches foi o ministro da Administração Interna que, três dias após as eleições legislativas de 2005, atribuiu o negócio a um consórcio liderado por um grupo económico para o qual trabalhou antes e depois de integrar o Governo de Santana Lopes. O inquérito acabou por ser arquivado em Março.Ao contrário dos administradores das sociedades que compunham o consórcio liderado pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN), que foram ouvidos e constituídos arguidos por suspeitas de tráfico de influências e participação económica em negócio, Daniel Sanches (procurador-geral adjunto em licença de longa duração desde 2001) nunca foi sequer chamado a depor como testemunha.
A justificação do procurador-geral adjunto e titular do inquérito, Azevedo Maia, está no despacho de arquivamento, datado de 27 de Março: até aquela altura não tinham sido reunidos "elementos que façam suspeitar fundamentadamente que o drº. Daniel Sanches e/ou quem quer mais que fosse tivesse praticado qualquer dos crimes aqui em investigação".
O ex-ministro da Administração Interna era "secretário da assembleia geral do Banco Português de Negócios, administrador da Pleiade Investimentos e Participações, presidente do conselho de administração da Serviplex, Gestão de Recursos Humanos, e da Vsegur - Actividades de Segurança Privada, e administrador da Complementus -Empresa de Trabalho Temporário, todas empresas do grupo SLN, aquando da sua nomeação para o Governo do drº. Santana Lopes". No entanto, no despacho de arquivamento, conclui-se: "Não resulta porém dos autos que, ao proferir o despacho de adjudicação do concurso para a criação e implementação do SIRESP, já durante o governo de gestão, isso tivesse algo a ver com as suas anteriores ligações àquelas empresas do grupo SLN."
Para colmatar a ausência de um testemunho de Sanches a justificar a sua adjudicação, considerada mais tarde nula pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, Azevedo Maia recorre várias vezes a um direito de resposta que o próprio enviou ao PÚBLICO, depois de, por diversas vezes, se ter recusado a prestar declarações sobre o caso.
Sem incompatibilidades
Durante estes três anos de investigação, em que o processo acumulou três volumes e 16 apensos, Azevedo Maia, o responsável pelo inquérito, não ouviu qualquer testemunha ou arguido, nem acompanhou qualquer busca. A sua intervenção neste processo resume-se quase ao despacho de arquivamento e a um documento de poucas linhas em que autoriza a Polícia Judiciária a emitir os mandados de busca que lhe são sugeridos.
Todos os interrogados no âmbito da investigação foram-no apenas pela PJ, que decidiu constituir dez deles arguidos, incluindo o então presidente da SLN, José de Oliveira Costa, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva. O mesmo aconteceu à sua filha Iolanda Costa, presidente da Datacomp, uma das cinco empresas do consórcio vencedor.
O procurador-geral adjunto Azevedo Maia considera ainda que o Daniel Sanches não violou o Regime Jurídico de Incompatibilidade e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos. Esse regime prevê que os titulares de cargos políticos que nos três anos anteriores à data da investidura tenham integrado corpos sociais de empresas não podem intervir em "procedimentos administrativos em que aquelas empresas e pessoas colectivas intervenham, suspectíveis de gerar dúvidas sobre a isenção ou rectidão da conduta dos titulares".
A opinião não é consensual. Para o jurista João Correia, o argumento usado por Azevedo Maia é "puramente formal, transportando consigo uma visão reducionista da lei, que colide com a razão de ser da norma".
Isto porque, apesar de Sanches não ter trabalhado directamente para a SLN, que detém diversas firmas, trabalhou para muitas empresas que são detidas a 100 por cento por esta sociedade. Já para Pedro Gonçalves, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, a opção do procurador é legítima, visto que o legislador não fez a distinção. "Se há algum problema, ele é da lei, que deveria ser mais abrangente", sustenta o académico.
Tanto Azevedo Maia como o seu superior hierárquico, o procurador-geral da República, Pinto Monteiro, escusaram-se a comentar o inquérito.