Como será que eles dizem bom dia?

A Fundação Nacional do Índio do Brasil sobrevoou uma região remota da selva amazónica para provar a quem quer destruí-la que ali vivem tribos isoladas - e que é preciso protegê-las

a Não sabemos como se chamam a si próprios, nem como soa a língua que falam. Só agora os vimos pela primeira vez, em fotografias tiradas de uma avioneta que sobrevoou a região do Acre, na Amazónia, na margem esquerda do rio Envira, próximo da fronteira com o Peru. E eles só agora devem ter tido um vislumbre do "estrangeiro", que chegou pelo ar, numa estranha geringonça metálica. Eles são uma tribo índia isolada e o "estrangeiro" são funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) do Brasil. O primeiro encontro ocorreu há cerca de um mês, num voo matinal, em que se avistaram dezenas de pessoas numa clareira com seis casas comunitárias, ou malocas, rodeadas por floresta densa. Quando a avioneta regressou mais tarde nesse dia, as marcas da primeira visita eram evidentes. A maioria das mulheres e crianças tinha-se refugiado na floresta e aqueles que permaneceram tinham-se pintado com tintas encarnadas e empunhavam arcos e disparavam flechas contra a avioneta. "Os guerreiros fotografados têm aparência forte e sadia", diz um comunicado da Funai.
O que podemos saber apenas pelas fotografias, divulgadas anteontem? Fiona Watson, da Survival International, uma organização londrina que luta pelos direitos humanos dos povos indígenas, fez uma visita guiada pelas imagens para a BBC online. Disse que as malocas têm uma cobertura de colmo. Nas mais pequenas devem preparar a comida, as tintas para pintar o corpo, entre outras tarefas diárias, enquanto as mais pequenas devem ter as camas.
As casas estão todas muito próximas, o que sugere que esta tribo gosta de se manter isolada, fora dos olhares de outras tribos que poderão existir na região. Em redor das habitações, há uma área onde provavelmente cultivam mandioca, que entrará em grande parte da sua dieta.
Foram fotografadas cerca de 15 pessoas, refere a agência Reuters. Numa das imagens, além das malocas, vêem-se três homens, uma figura negra, que se pensa ser uma mulher, e o que parece ser um monte de algodão e um cesto. Cultivado ou apanhado da natureza, o algodão servirá para tecer a espécie de saia que a figura negra enverga. Ela é, aliás, a única da imagem que não está a empunhar armas. Mas a tinta negra com que pintou o corpo, excepto as mãos, deverá ser um símbolo de agressão, tal como a tinta encarnada usada pelos homens.
Para os especialistas, a resposta agressiva com que receberam o pássaro metálico, um Cessna Skylane, na segunda visita, é uma indicação de que encaram o contacto com o mundo exterior como algo perigoso.
Minas e madeira
Há um motivo para o Governo do Brasil, através da Funai, ter tirado estas fotos. Se as terras das tribos índias são protegidas pela lei brasileira, do outro lado da fronteira, no Peru, estão a ser cobiçadas para a exploração mineira e extracção de madeira, pelo que eles estão a ser escorraçados. O Presidente do Peru, Alan García, questionou a existência de tribos que nunca contactaram com o mundo exterior, recorda agora o jornal britânico Independent.
"Sobrevoámos as suas casas para mostrar que eles existem. Isto é muito importante, porque alguns duvidam disso", afirmou José Carlos Meirelles Júnior, da Funai. "O que está a acontecer nesta região [do Peru] é um monumental crime contra o mundo natural, as tribos, a fauna, e é mais um testemunho da completa irracionalidade com que nós, os "civilizados", tratamos o mundo."
Além da localização dos grupos índios isolados, com os quais a Funai não estabelece contacto directo, o trabalho destinou-se a fazer uma estimativa da evolução populacional na zona. "Nessa região, existem quatro povos isolados que temos acompanhado há mais de 20 anos", esclareceu ainda Meirelles Júnior.
No passado, os contactos das tribos com o mundo exterior não tiveram bons resultados: por exemplo, transmitimos-lhes doenças novas, como a simples constipação, em relação às quais não têm qualquer protecção e que são fatais. Agora que todos sabemos da existência de outra tribo isolada, resistiremos à tentação de os contactar? "É claro pelas fotografias que querem que os deixemos em paz", diz Fiona Watson.
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é a estimativa aproximada do número de tribos isoladas existentes em todo o mundo, cerca de metade das quais no Brasil e Peru, segundo a organização Survival International

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