Barca Velha A nova colheita do mais famoso tinto português é de 2000
Fomos às Caves Ferreira, em Vila Nova de Gaia, ao lançamento do novo Barca Velha.
Provámos o vinho e gostámos muito. David Lopes Ramos diz que este é um tinto grandioso. Dentro da tradição, o Barca Velha está cada vez mais elegante
Fernando Nicolau de Almeida, o criador do Barca Velha, cuja primeira edição é de 1952, resumiu, como se segue, as razões que o levaram a fazer o que se tornou no mais famoso vinho tinto do Douro e de Portugal:"Como achava que os nossos vinhos não tinham aroma, fui a França - Bordéus e Borgonha - estagiar para saber porque é que os vinhos franceses tinham. Visitei uma das principais firmas - Château Mayoux - e perguntei ao proprietário onde faziam o vinho. Apontou para um grande balseiro e julguei que ele não tinha percebido a minha pergunta e insisti. Apontou novamente para o balseiro. Disse-lhe que era impossível, que estava habituado a lagares e vi um homem a pisar no balseiro com três metros de mosto por cima. Explicou-me que não se pisava e o vinho fermentava depois da uva esmagada, dentro da cuba fechada para não se volatizarem os perfumes. Vim para Portugal e era impossível fazer as fermentações lentas no Douro onde a temperatura ultrapassa os 40º C. Assim tive de inventar um sistema de artesanato, de enviar camiões com toneladas de gelo coberto de serrim e consegui fazer o primeiro Barca Velha em 1952".
Seguiram-se 1953, 1954, 1957, 1964, 1965, 1966 e 1978. Foram todos os Barca Velha que Fernando Nicolau de Almeida declarou em 25 anos. Além de três Reserva Especial Ferreirinha nos anos de 1962, 1974 e 1977, que eram os tintos que, segundo o seu autor, não alcançavam o patamar de qualidade exigido aos Barca Velha. A década de 80 deu Barca Velha em 1981, 1982, 1983 e 1985. E a última década do século XX permitiu a declaração de Barca Velha em 1991, 1995 e 1999.
As sete colheitas das décadas de 80 e 90 foram dadas a provar quarta-feira à noite, nas Caves Ferreira, em Vila Nova de Gaia, antes da apresentação da nova colheita de 2000. Mostraram-se todos em grande forma, com cores vivas, aromas limpos, perfis diversos. Mais rústicos os de 80, mais elegantes os de 90, com um deles, o de 91, a afirmar-se como um grande vinho tinto, ainda longe de atingir o seu pico de evolução.
Todos os Barca Velha, na sua diversidade, são grandes vinhos. São vinhos que entusiasmam quem os prova e vencem a prova do tempo desde que guardados em condições adequadas.
a O novo Barca Velha, o mais famoso vinho tinto português da Casa Ferreirinha, é da colheita de 2000 e, ao contrário de alguns dos seus irmãos mais velhos, não jogou às escondidas com quem o criou. Disse, desde o primeiro momento, ao que vinha: era Barca Velha e, em nenhuma das provas diárias a que foi submetido desde que foi feito, suscitou dúvidas ao seu criador. O responsável pela equipa de enologia que lhe desenhou o perfil e vinificou, Luís Sottomayor, disse, na apresentação, que decorreu na noite de quarta-feira nas Caves Ferreirinha, em Vila Nova de Gaia, que o 2000 "é o mais honesto dos Barca Velha: nasceu e cresceu como Barca Velha".
O Barca Velha 2000, segundo a descrição da Equipa de Enologia da Casa Ferreirinha (prova efectuada em 7 de Abril de 2008), "tem uma intensa cor rubi e um aroma de grande exuberância e complexidade, com forte presença de frutos vermelhos bem maduros como a ameixa, framboesa e uma excelente componente de especiarias, nomeadamente noz, cravinho e canela. Encontram-se também aromas balsâmicos, a caixa de tabaco e ligeiramente mentolado, harmoniosamente conjugados com madeiras de excelente qualidade".
"Na boca - segundo a mesma fonte - apresenta uma excelente estrutura e equilíbrio, boa acidez e taninos firmes, de grande qualidade. Reconhecem-se já os aromas terciários de envelhecimento em garrafa, bem conjugados com os aromas primários da fruta e secundários da fermentação, que contribuem para um final extremamente longo e harmonioso. Com grande potencial de guarda, Barca Velha 2000 pode ser consumido desde já ou guardado durante alguns anos."
Deste Barca Velha 2000, tinto duriense que só é declarado em anos de qualidade excepcional, foram cheias 26 mil garrafas de 750 ml e 1500 magnum (1,5 l). As primeiras serão postas à venda a 75 euros a unidade no próximo catálogo do Clube 1500 da Sogrape, podendo apenas ser adquiridas pelos respectivos sócios, ficando à disposição do público em geral no próximo mês de Setembro. Nessa altura, como tem sucedido com outros Barca Velha, é a procura que estabelecerá o preço de cada garrafa, que é sempre superior ao da venda no Clube 1500.
Vindima muito comprida
Na apresentação do vinho, Luís Sottomayor recordou que "a vindima começou a 13 de Setembro" e foi "pequena mas muito comprida", terminando no dia 5 de Outubro. O tempo de duração da vindima proporcionou aos enólogos "um controlo muito eficaz das uvas, deixando antever vinhos de qualidade excepcional". Quando, no dia 5 de Outubro, Luís Sottomayor provou os vinhos, além de se ter deliciado, ficou "convicto que a colheita de 2000 ficaria para a história".
Como é habitual no Barca Velha desde a sua criação em 1952, a Casa Ferreirinha avaliou, ano após ano, se o 2000 tinha corpo e vigor para enfrentar e vencer a prova do tempo. Por isso, só ao oitavo ano de vida "os especialistas tomaram a decisão de lançar a 16ª colheita de Barca Velha". Luís Sottomayor, que entrou para a empresa em 1989, enfatizou o facto de ainda ter conhecido e provado com Fernando Nicolau de Almeida, o inventor do Barca Velha, bem como com José Maria Soares Franco, o continuador da saga. O novo responsável pelos Barca Velha entende que este vinho, apesar de toda a sua carga mítica, "é sinónimo de evolução e complexidade. Um clássico mas ao mesmo tempo surpreendente e inovador, à imagem do seu criador".
Mais vinho que o de 1999
A exemplo do que sucede com o Barca Velha de 1999, no mercado há dois anos, o de 2000 volta a ostentar no rótulo a graduação alcoólica de 13,5% vol., mais alta do que os 12º graus habituais até ao final dos anos 80. Mas o novo Barca Velha é ainda mais vinho que o de 1999, que, na altura, surpreendeu pela grande concentração e perfil jovem. O de 2000 é ainda um vinho mais complexo, mais completo e com uma fruta cuja juventude, vivacidade e frescura são incomuns. Se, quando surgiu, o 1999 era um menino, o 2000 ainda gatinha. E, no entanto, como puderam comprovar os que tiveram o privilégio de o provar, quarta-feira à noite, nas instalações das Caves Ferreira, de Vila Nova de Gaia, numa sala sobranceira ao Douro e com vista para a Ribeira do Porto, ele delicia desde já. É apenas necessário dar-lhe a companhia adequada. No caso, um excelente "cordeiro em duas cozeduras, guisado de ervilhas de quebrar com endívias, puré de alho e molho ligeiramente trufado", receita da autoria do chefe de cozinha José Avilez, do restaurante lisboeta Tavares Rico.
Quem gostar de tintos mais evoluídos, de perfil mais seco, mais dominados pelos aromas e sabores terciários, então deverá guardar o Barca Velha 2000 em bom lugar e revisitá-lo daqui a uns 10 anos. Verá que a casta Touriga Nacional, que entra, desde a década de 90, cada vez mais em maior percentagem no lote do Barca Velha, transmite mais distinção e elegância ao vinho. No mesmo sentido vão os contributos das melhorias tecnológicas, enológicas e no domínio vitivinícola. O Barca Velha 2000 foi elaborado na moderna adega da Quinta da Leda, localizada na aridez do Douro Superior, e as uvas, salvo uma pequena percentagem, são todas das cepas desta propriedade modelar.
Presente no lançamento do Barca Velha 2000, o patriarca da família, Fernando Guedes, além de se mostrar entusiasmado por os vinhos serem consumidos por "um público cada vez mais informado", não mostrou saudades dos tempos em que "produzir mais era a grande preocupação; agora, e muito bem, é a qualidade que comanda". E brindou a todos com um portentoso Porto Ferreira de 1917. Já Salvador Guedes, o actual presidente da Sogrape, em cujo universo se integra a Casa Ferreirinha, sublinhou o facto do Barca Velha ser um vinho que "desafia o tempo", anotou que Luís Sottomayor "há quase 20 vindimas" que faz parte dos quadros da empresa, concluindo com um "registo de saudade e amizade por Alfredo Saramago, recentemente desaparecido".