Torne-se perito

Tribunal condena jovens por praxe com excrementos

Crimes de ofensa à integridade física e coacção foram provados. Os jovens agiram por divertimento e para castigar, disse o juiz

a À saída da sala de audiências do tribunal, Ana Santos controlou as lágrimas, engoliu em seco e falou aos muitos jornalistas que esperavam as suas declarações: "O meu contributo está dado." A jovem de 27 anos reagiu assim à condenação de sete ex-alunos da Escola Superior Agrária de Santarém (ESAS) que, em 2002, a submeteram a uma praxe violenta. Foi a primeira vez que autores de praxes académicas foram julgados e condenados pelas suas práticas. "O meu objectivo foi abrir caminho para que outras pessoas apresentem queixa" se forem alvo de abusos, explicou a jovem, que denunciou um caso que pôs o país a debater a forma como os caloiros são recebidos nas universidades pelos alunos mais velhos.
Rui Coutinho, Lisbete Pereira, Sandra Silva, Armando Simões, José Vaz, Tiago Vieira e Tiago Figueiredo têm entre 27 e 32 anos e já terminaram os seus cursos. Mas em Outubro de 2002 estudavam na ESAS. Os primeiros seis integravam a comissão de praxes. E ontem foram condenados pela prática em co-autoria do crime de ofensa à integridade física qualificada. Terão de pagar multas que oscilam entre os 640 e os 1600 euros, conforme os casos. O sétimo aluno, que era veterano da escola, foi condenado pelo crime de coacção. O juiz Duarte Silva, do Tribunal de Santarém, impôs-lhe uma multa de 1400 euros.
Penas "demasiado pesadas"
O caso remonta a Outubro de 2002 quando Ana Santos, então aluna do 1.º ano de Engenharia Alimentar, atendeu um telefonema da mãe, desobedecendo assim à ordem de não atender telefonemas durante as praxes. Segundo Duarte Silva, o que se seguiu foi um castigo físico, "uma retaliação".
A caloira foi obrigada a ajoelhar--se e alguns arguidos ordenaram a outros caloiros que a barrassem com excrementos de porco. Regressada à escola, Tiago Figueiredo, o sétimo arguido, pediu a dois novos alunos que a agarrassem pelas pernas e lhe colocassem a cabeça num bacio com excrementos.
O juiz considerou que Ana Santos foi sujeita a actos que "ultrapassaram os limites impostos pela noção de praxe" e que "vão para além do mínimo ético socialmente tolerável". Mais ainda quando os autores eram membros de uma "comunidade académica", onde "se exige uma postura ética ao nível do grau académico que se pretende alcançar". Sustentou ainda que os veteranos da ESAS agiram por "mero divertimento". E tiveram como propósito "ofender o corpo e a saúde" da aluna que, recordou, acabou por ter de mudar de escola.
Lúcia Mata, advogada dos sete jovens, fez saber que vai analisar a sentença e que pondera recorrer. Não contava com a condenação e acha as penas "demasiado pesadas".
"Desmistificar as fezes"
Os ex-alunos sempre disseram que agiram de acordo com a "tradição" da escola, como, aliás, testemunharam várias pessoas no decorrer do processo. Um ex-professor declarou mesmo, durante o julgamento, que "é preciso desmistificar as fezes". E Henrique Soares Cruz, que à data das praxes a que Ana Santos foi sujeita era director da escola, também disse em tribunal que era "normal a praxe com bosta".
Já Manuela Miranda, advogada de Ana Santos, não escondia a satisfação. Apesar dos crimes em causa terem uma moldura penal que pode chegar à pena de prisão, considera que as multas cumprem o objectivo de dar um sinal à comunidade: "Situações de excessos, infelizmente, continuam a existir" nas escolas.
A sentença surge no dia em que foi tornado público que a Comissão Parlamentar de Educação aprovou por unanimidade um conjunto de recomendações no âmbito das praxes. Criar uma linha telefónica nacional para atender os alunos, criar equipas de apoio aos estudantes, com acompanhamento psicológico e jurídico, e fazer um estudo nacional sobre as praxes são algumas delas. Os deputados defendem a necessidade das escolas rejeitarem "culturas de obediência e de discriminação, que originam muitos dos abusos que acontecem no âmbito da praxe". Com B.W.

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