Quarteto de Cordas de Matosinhos: invulgarmente músicos
Ao lado do Porto, existe um lugar que funciona como um principado cujo soberano sofre, desde sempre, de uma forte paixão pela música. Toda a gente o sabe, mesmo falando-se como se não se falasse, mas importa dizê-lo explicitamente: é graças a essa paixão, e ao continuado apoio da autarquia, que Matosinhos é sinónimo de tradição e de apoio sustentado à criação musical. O "príncipe", um antigo professor de física que muitos portuenses recordam com simpatia, é Manuel Dias da Fonseca, em órbita do qual giram compositores (que vão beneficiando de encomendas da autarquia) e intérpretes (que vão colaborando num ou noutro recital), que partilham também das suas inúmeras histórias sobre música, músicos e concertos, aprendendo a História de que, por vezes distraidamente, participam, raramente acrescentando algum facto perdido na memória.No contexto dessa tradição, esta invulgar Câmara Municipal (no que ao investimento na actividade musical respeita) cria um quarteto de cordas, destacando-se de outros projectos nacionais quer pela forte aposta no projecto, quer pelo próprio nível do agrupamento.
O Quarteto de Cordas de Matosinhos, formado por Vítor Vieira e Juan Carlos Maggiorani (violinos), Jorge Alves (viola) e Marco Pereira (violoncelo), apresentou-se ao público em Janeiro, iniciando com os seis quartetos Op. 9, de Haydn, a longa integral que preencherá parte das primeiras temporadas, tendo inaugurado em Março outra integral, a dos quartetos de Mozart, cuja primeira fase (obras de juventude) terminará a 6 de Junho.
Foram os primeiros três dos seis Quartetos Vienenses (K. 168 - 173), escritos pelo jovem Mozart no Verão de 1773, que serviram de pretexto para um momento musical na quinta-feira, sob a famosa cúpula dos Paços do Concelho (recheada de acústica ingrata, como de memórias de primeiro plano no âmbito da divulgação da música). O jovem agrupamento (formado por também jovens intérpretes e seleccionado em concurso promovido pelo município) cativou de forma surpreendente pelo nível conseguido, por uma técnica sólida, afinação singular em Portugal e interesse da proposta artística, em que os momentos tecnicamente um pouco mais arriscados são ambiciosamente superados com rigor, plenos de consistência estilística. Refira-se a sua invulgar capacidade de fazer música e de criar interesse mesmo onde a partitura possa esforçar-se por mantê-lo escondido. Dignas de nota são a elegância associada à garra com que interpretaram o Minueto e a construção da fuga no Allegro do Quarteto em Fá Maior, K. 168, bem como a profunda expressão do terceiro andamento (apenas comparável à do Andante do K. 168) e a energia contrastante do Rondó do Quarteto em Dó Maior, K. 170, bem como a arrojada entrega à velocidade no Rondó do Quarteto em Lá Maior, K. 169.
Uma vez cinzelado o som de conjunto (o que, a avaliar pelos resultados obtidos em tão pouco tempo de trabalho, não tardará a atingir a excelência), teremos no Quarteto de Matosinhos motivo de orgulho à escala internacional. Para ele foram já encomendadas oito obras a compositores portugueses (algumas a estrear no último trimestre deste ano), que pontuarão uma programação que se pauta pela divulgação dos grandes clássicos do repertório para a mais nobre das formações camarísticas.
A integral dos quartetos de Mozart prossegue em Janeiro com os seis quartetos dedicados a Haydn, escritos nove anos mais tarde e evidenciando uma larga distância no interesse musical.
Diana Ferreira