Uma precursora no violoncelo
Numa época em que tocar violoncelo a solo era uma profissão de homens, Guilhermina Suggia iniciou uma carreira internacional de sucesso. Tinha apenas 17 anos quando abriu as portas para as mulheres violoncelistas
A carreira de Guilhermina Suggia constituiu uma revolução para o violoncelo ao nível da técnica, da posição e da sonoridade. De facto, ao estudar e tocar este instrumento, Suggia demonstrou que o violoncelo era acessível às mulheres, apesar do seu volume e de na época chegar a ser considerado indigno por obrigar a uma contorção do dorso. Na opinião da solista, este era o mais extraordinário de todos os instrumentos, o único que possibilitava suster um baixo por um longo período ou cantar uma melodia em qualquer registo. Entre os violoncelos que Suggia possuía, destacavam-se dois - um Stradivarius (Cremona, 1717) e um Montagnana (Cremona, supostamente 1700). De acordo com o seu testamento, ambos os instrumentos foram vendidos com o objectivo de instituir um prémio anual com o seu nome para o melhor aluno de violoncelo do Conservatório de Música do Porto (atribuído pela primeira vez em 1953) e da Royal Academy of Music. Dessa forma, embora tenha deixado escassas gravações, Guilhermina Suggia quis contribuir para que as futuras gerações continuassem a estudar o instrumento a que dedicou a sua vida.
a Considerada uma conquistadora nata, Guilhermina Suggia foi uma das primeiras mulheres a ver reconhecido o seu talento como violoncelista, com uma carreira a solo de sucesso. A história da sua vida é, sobretudo, feita de música.
A 27 de Junho de 1885, Elisa Augusta Xavier e Augusto Jorge de Medim Suggia assistiram ao nascimento da sua segunda filha, Guilhermina Augusta, no Porto. Violoncelista no Real Teatro de São Carlos e professor no Conservatório de Música de Lisboa, Augusto notou desde cedo a vocação prematura de Guilhermina para a música e, a partir dos 5 anos, começou a dar-lhe aulas. Dois anos depois, a pequena violoncelista fez a sua primeira aparição pública ao piano em Matosinhos, ao lado da irmã Virgínia, três anos mais velha.
Com apenas 13 anos, Guilhermina ocupou o lugar de violoncelista principal da Orquestra da Cidade do Porto, ao mesmo tempo que fazia parte do quarteto de cordas Bernardo Moreira de Sá. Em 1898, conheceu o violoncelista catalão Pablo Casals, durante uma temporada estival no casino de Espinho. E, por intermédio do pai, foi aprendiz do músico.
Em Março de 1901, Guilhermina e Virgínia actuaram no Palácio Real de Lisboa e a rainha Dona Amélia gostou tanto da jovem que quis concretizar o seu sonho, oferecendo-lhe uma bolsa para estudar no estrangeiro. Nesse mesmo ano, a violoncelista de 15 anos partiu para Leipzig (Alemanha) para estudar no Conservatório local, junto do prestigiado professor Julius Klengel, violoncelista da Gewandhaus Orquestra.
A 26 de Fevereiro de 1903, após concluir a formação, Guilhermina Suggia fez a sua apresentação no concerto comemorativo do aniversário da Gewandhaus Orquestra. A partir daí, teve início a uma carreira internacional de sucesso, que a levou a percorrer salas de concerto em toda a Europa.
Em 1906, Suggia fixou-se em Paris e reencontrou-se com Casals, com quem manteve um caso amoroso. O casal de violoncelistas mais famoso e talentoso da época viveu na Villa Molitor até separar-se em 1913. No ano seguinte, a intérprete mudou-se para a Grã-Bretanha, regressando esporadicamente a Portugal.
Em Londres, Guilhermina Suggia tocou com orquestras de elevada reputação, como a Royal Philarmonic Society, a State Simphony Orchestra, a BBC Simphony Orchestra e a London Simphony Orchestra. Na imprensa, os seus concertos obtinham críticas muito positivas. "É quase impossível encontrar algo de novo a dizer sobre a arte de Madame Suggia, mas todas as suas aparições são um fresco deleite", lia-se em 1920 no Sunday Times.
Apesar de viver em Londres, Suggia comprou uma casa no Porto em 1924 e também foi aí que, três anos depois, se casou com o médico José Casimiro Carteado Mena. Na cidade portuguesa, era vista como uma inglesa excêntrica. Durante a II Guerra Mundial, passou a permanecer mais tempo em Portugal, participando em vários concertos humanitários de angariação de fundos.
No final da década de 1940, cruzou-se com a directora do Conservatório de Música do Porto, Maria Adelaide de Freitas Gonçalves. Juntas, criaram a Orquestra Sinfónica do Conservatório, formada por alunos finalistas. A apresentação da orquestra deu-se a 21 de Junho de 1948 no Teatro Rivoli, num concerto que contou com a presença de Suggia como solista.
Porém, um ano depois, Suggia começava a manifestar sinais de doença. Apesar disso, formou o Trio do Porto com o violinista Henri Mouton e o violetista François Broos. A 31 de Maio de 1950 surgiu pela última vez em público, num recital no Teatro Aveirense. Morreu quase dois meses depois, a 30 de Julho, na sua casa na Rua da Alegria, no Porto.