A rainha dos palcos
Actriz excepcional, Amélia Rey Colaço conquistou o carinho de pessoas
tão diferentes como a rainha D. Amélia, Salazar ou Mário Soares. Parte
da história do teatro português do século XX resultou do seu talento
Na vida de Amélia Rey Colaço, as más notícias surgiram quase sempre associadas a incêndios em teatros ou datas com o número oito. Assim, pouco depois da sua estreia brilhante no Teatro República em 1917, as chamas voltaram a ameaçar a sala que, três anos antes, tinha sido completamente destruída pelo fogo. Pouco depois, seguiu-se um incêndio no Trindade, onde Amélia estava instalada. Mas o maior drama que a actriz viveu foi quando o fogo, na noite de 2 de Dezembro de 1964, reduziu o Teatro Nacional D. Maria II às suas paredes exteriores. Esse incidente pôs fim à gestão daquela sala pela Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro, que além disso também perdeu um valioso espólio de cenários e guarda-roupa. Por sua vez, o teatro que Amélia e Robles Monteiro recuperaram posteriormente para receber a sua companhia, o Avenida, também acabaria transformado em cinzas, apenas três anos depois. A maldição repetiu-se em 1970 no Capitólio, obrigando a companhia a mudar-se de novo para o Trindade, onde permaneceu até ser suspensa a actividade. Quanto ao número oito, o seu significado funesto revelou-se através das datas da morte do seu pai e avó materna (ambos em 1928), da mãe (1938), do marido e do genro (ambos em 1958). De igual modo, 1968 foi o ano em que foi obrigada a sair da casa onde nasceu devido a dificuldades financeiras graves. Em 1988, a sua companhia foi oficialmente extinta e Amélia teve de abandonar a casa do Dafundo, leiloando os bens que aí se encontravam. Por último, 8 foi ainda o dia da sua morte, em Julho de 1990. A.F.G.
a Actriz, encenadora e empresária teatral, Amélia Rey Colaço é considerada uma das mais importantes figuras do teatro português do século XX. Graças ao seu porte altivo, a escritora Fernanda de Castro atribuiu-lhe o título de Imperadora, mas foi como "mestra" que influenciou várias gerações de actores.
Numa família de aristocratas e artistas, Amélia Scmidt Lafourcade Rey Colaço nasceu a 2 de Março de 1898, em Santos (Lisboa). O pai era o compositor e pianista Alexandre Rey Colaço, professor de D. Manuel II, e, de acordo com a sua vontade, as suas quatro filhas receberam formação nas artes - Amélia tornar-se-ia actriz, Alice pintora, Maria e Jeanne pianistas.
O talento de Amélia começou por revelar-se em pequenos recitais de poesia, mas foi durante uma visita à avó Kirsinger, em Berlim, que descobriu, através dos espectáculos do actor e encenador austríaco Max Reinhardt, a paixão pelo teatro. Com o apoio dos pais, a aspirante a actriz recebeu aulas do actor Augusto Rosa e, aos 19 anos, pisou o seu primeiro palco, no Teatro República (actual São Luiz), com a peça Marinela. A sua interpretação conquistou, de imediato, inúmeros aplausos e elogios.
Entretanto, Amélia conheceu o actor Robles Monteiro, um ex-seminarista da Beira Baixa, tendo-se casado em Dezembro de 1920. Juntos, fundaram a Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro que se estreou, em 1921, no Teatro Nacional de São Carlos. Um ano depois, assistiram ao nascimento da sua única filha, a futura actriz Mariana Rey Colaço Monteiro.
Após a passagem por vários teatros (Politeama, Ginásio, Trindade), a companhia de Amélia e Robles Monteiro estabeleceu-se, em 1929, no Teatro Nacional D. Maria II, onde a elegância e requinte dos seus espectáculos transformaram uma casa velha na sala número um de Lisboa. De facto, além de contratar ídolos do público como Palmira Bastos, Maria Matos ou Vasco Santana, Amélia convidava artistas como Raul Lino, Almada Negreiros ou Eduardo Malta para colaborar nos cenários e revelava ainda novos actores (João Villaret, Eunice Muñoz, Carmen Dolores, Maria Barroso, João Perry e João Mota, entre outros).
Com uma companhia coesa e disciplinada, Amélia passou a lutar também pela dignificação social do actor e, como encenadora, procurou sobretudo diversificar, levando ao palco autores contemporâneos e clássicos, portugueses e estrangeiros. Ao longo da sua carreira, foi admirada por pessoas tão distintas como a rainha D. Amélia de Orleães e Bragança, Salazar ou Mário Soares mas, depois da Revolução de Abril, percebendo que seria vista como um símbolo do Estado Novo, suspendeu a sua companhia.
Apesar disso, não abandonou os palcos e tinha 87 anos quando desempenhou o seu último papel, como D. Catarina na peça El-Rei D. Sebastião, de José Régio. Entre os seus espectáculos mais memoráveis encontram-se Salomé, Outono em Flor, Romeu e Julieta ou A Visita da Velha Senhora. Também entrou no cinema como Luísa em O Primo Basílio (1922), filme de Georges Pallu a partir do romance de Eça de Queiroz. Morreu aos 92 anos em Lisboa.