Acordo da Vasco da Gama beneficiou Lusoponte e penalizou o Estado
Acordo global assinado por Jorge Coelho mostra que Estado acabou por financiar a concessão, mas sem a explorar
a De início, a Ponte Vasco da Gama foi anunciada como uma construção a custo zero para os cofres do Estado; porém, na altura em que a sua exploração voltar para a esfera pública, e feitas as contas, o Estado terá despendido com esta concessão bem mais do que os 897 milhões de euros que esta custou, caso tivesse optado por uma construção em regime de empreitada tradicional.
A Vasco da Gama foi a primeira obra pública em Portugal montada através de um complexo contrato de parceria entre públicos e privados (PPP). Com este tipo de parcerias, assentes em projectos de engenharia financeira em que o privado assegura o investimento e a construção, e faz a exploração da infra-estrutura durante tempo suficiente não só para recuperar, mas também para remunerar o seu investimento; findo esse período, a gestão da infra-estrutura regressa de novo ao Estado.
Não demorou muito tempo, porém, até o Governo corrigir a intenção de não gastar um centavo com a construção da ponte. Até porque entregou desde logo as receitas de portagem da Ponte 25 de Abril, durante a construção da Vasco da Gama, como uma espécie de "subsídio ao investimento". E se o contrato foi assinado em 1994, as renegociações com a concessionária ocorreram logo no ano seguinte. Isto porque foi introduzindo alterações aos pressupostos negociados - como atrasar-se na adjudicação da obra, ou impedir aumentos na 25 de Abril, por causa do famoso buzinão, por exemplo - de tal modo que em cinco anos o Estado viu-se obrigado a negociar o contrato por seis vezes.
Segundo o Tribunal de Contas, a Lusoponte encaixou nesse período cerca de 200 milhões de euros, e, em 2000, tinha ainda reclamações pendentes que implicavam pagamentos de mais 125 milhões de euros. Estas reclamações terminaram num acordo global, assinado por Jorge Coelho, acordo esse que foi também escrutinado pelos auditores do Tribunal de Contas e cujas conclusões foram igualmente penalizadoras para o erário: que o Estado se havia tornado no mais importante financiador da concessão, sem, no entanto a explorar.
Pode ler-se no relatório do TC: "As contrapartidas directas à concessionária ascendem, a preços descontados das taxas de inflação, a cerca de 180 milhões de contos (900 milhões de euros), isto é, o equivalente a uma nova travessia sobre o Tejo". Este número foi alcançado através da contabilização das contrapartidas directas que o Estado pagará até 2019 (250 milhões de euros); pela prorrogação do prazo de concessão por mais sete anos, permitindo que seja a Lusoponte a encaixar as receitas de portagem que, segundo as previsões de tráfego do caso-base em vigor, ascendem aos 560 milhões de euros), e pela isenção dos encargos de manutenção da Ponte 25 de Abril, que deixaram de estar a cargo da Lusoponte e regressaram à esfera do Estado, e que estão contabilizados (a preços descontados da inflação) em 95 milhões de euros.
Estes cálculos datam de Novembro de 2001 e, entretanto, muitas coisas mudaram. Houve, nomeadamente, um ajustamento na taxa de IRC cobrada à concessionária (que passou de 33 para 25 por cento), o que faz subir os lucros da entidade privada, e por essa ordem de razão diminuir as contrapartidas que esta ainda tem de receber directamente dos cofres do Estado.
Segundo a Lusoponte, a concessionária já recebeu 202 milhões de euros, e teria a receber ainda mais 137 milhões; porém, estes acabaram por ser reduzidos para 16 milhões, por via do já referido reajustamento da taxa de IRC. Mas as negociações com a Lusoponte ainda não acabaram: a intenção de construir uma terceira travessia do Tejo colide com a cláusula de exclusividade detida pela concessionária.