O clube dos professores mortos e o dos disparates vivos

Mais do que falar de forma abstracta de falta de autoridade nas escolas, convinha falar de regras, de disciplina e de lideranças fortes

Em o Clube dos Poetas Mortos, um filme de sucesso de há quase vinte anos, o herói era um "professor bom" que participava nas folias dos adolescentes, pedia-lhes para "aproveitarem cada momento da vida" (Carpe diem) e, de uma forma heterodoxa, ensinava-os a gostar de poesia. Acabou expulso da escola. Uma escola de elite, por sinal, mas onde os métodos do professor acabaram por criar uma tensão de que resultou o suicídio de um dos seus alunos. A escola retratada - o fictício colégio de Welton, nos Estados Unidos - regia-se por quatro princípios: "tradição", "disciplina", "honra" e "excelência". Tinha sucesso, pois a maioria dos seus alunos conseguia entrar nas grandes universidades americanas. E se tinha sucesso com os seus métodos tradicionais e ortodoxos, a tese do filme era a da superioridade dos métodos não tradicionais. É possível que, naquele ambiente elitista, os métodos do professor de Literatura pudessem, a prazo, caminhar a par com a disciplina que, apesar de tudo, se mantinha. O que não é imaginável nem desejável é fazer todas as escolas à imagem do popular professor. Mas foi isso que sucedeu.
Imaginou-se que se podia ensinar todas as disciplinas como ele ensinava poesia, que se podia tratar todos os alunos como ele tratava aqueles alunos de boas famílias, quis-se que as nossas escolas, tendo tempos lectivos limitados, funcionassem como um colégio interno com recursos quase ilimitados. Por fim, pediu-se a todos os professores para serem tão geniais como o professor Keating (interpretado por Robin Williams).
A mensagem do Clube dos Poetas Mortos era simpática, atractiva e idealista, mas fez muito mal à escola portuguesa. O que se passou no Carolina Michaëlis é disso um bom exemplo. Um entre centenas de outros.

Odebate dos últimos dias - em que até surgiram personagens a contar, orgulhosos, as malfeitorias que fizeram aos seus professores - tem sido distorcido por duas polarizações artificiais. A primeira é sobre se "mais autoridade" equivale a "autoritarismo". A outra é sobre o grau de responsabilidade da professora. Na verdade, se olharmos para os lemas da tal escola de Welton - tradição, disciplina, honra, excelência - verificamos que nela a "autoridade" não era um valor em si mesmo. A fidelidade à tradição garantia que não se estava a "inventar a roda" todos os dias, exactamente o contrário do que tem sucedido no nosso sistema educativo. O princípio da disciplina não requeria um vigilante em cada corredor, antes resultava do equilíbrio entre a existência de normas conhecidas e a percepção de que cumpri-las ajudava a obter melhores resultados. E por aí adiante, valendo a pena recordar que valores como a honra e a excelência raramente são os mais apreciados fora e dentro das nossas escolas.
O que nelas está a suceder não é, ao contrário do que se quer fazer crer, uma consequência da massificação do ensino: é uma consequência de termos um sistema público altamente centralizado, que desresponsabiliza (quando não humilha) os seus agentes e que, ao negar aos pais o real direito à liberdade de ensino, também os afasta da participação nas comunidades escolares. O que está a suceder é um consequência de se ter pensado que a escola democrática era uma democracia igualitária, sem lideranças nem hierarquias. O que está a suceder é uma consequência de se tender a olhar para os alunos como vítimas, ou até como "adoráveis bons selvagens" cheios de potencial.
A autoridade, na sala de aula como em qualquer grupo social, ou se tem ou dificilmente se "decreta". É por isso que o problema não está na autoridade abstracta do professor, mas nas regras existentes na escola (é fantástico como nunca ouvimos falar disto e só nos referem leis gerais ou pomposos "projectos educativos").
Havendo regras que tenham dado boas provas (daí valorizar a tradição), pode haver disciplina, existem condições para exigir comportamentos justos (e dirigentes horados) e procurar a excelência.
Ora se no Carolina Michaëlis tudo indica que nem regras claras existiriam, apenas o tal "estatuto do aluno" que só complica a vida dos professores (basta pensar que se aquela professora tivesse optado por mandar a aluna para a rua teria de garantir que esta iria para uma sala de estudo, adequar o plano de trabalho do aluno e comunicar ao director de turma, tal como prevê o ponto 2 do art.º 30 dessa celerada lei), ninguém pode surpreender-se com o caos nem responsabilizar a professora.
Quando, pelo contrário, há regras e boas lideranças, "cartas fora do baralho" como o professor Keating até podem encontrar o seu lugar nas escolas. Se for essa a vontade daqueles que a escola serve, como é óbvio.

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