Torne-se perito

Arquitectos portugueses "realojam" nova-iorquinos

Não é realidade, é só um concurso. Mas o projecto dos portugueses AJLS ficou entre os dez primeiros em What if New York City. Onde colocar 20 mil famílias numa cidade semi-destruída por um furacão?

a Lembram-se de Nova Orleães e do furacão Katrina? Imaginem então o que aconteceria se Nova Iorque fosse atingida por um furacão de categoria 3. O cenário não é improvável - os cientistas dizem mesmo que não é uma questão de saber se irá acontecer, mas quando irá acontecer. E ninguém quer voltar a ver cenas como as de Nova Orleães, pessoas desesperadas durante dias, amontoadas num pavilhão desportivo, sem comida, água ou assistência médica suficiente, sem transportes para deixar a cidade, e sem abrigos para onde ir. What if New York City... foi o ponto de partida do concurso internacional organizado pelo Gabinete de Gestão e Planeamento de Emergência de Nova Iorque, entidade criada em 1996 precisamente para planear respostas a situações de catástrofe. Em Lisboa, um pequeno atelier de arquitectos - o AJLS Arquitectos, de João Sequeira, Ana Figueiredo, Marta Moreira e Pedro Miguel Ferreira - decidiu tentar a sua sorte. Como ajudariam eles os habitantes de Nova Iorque se um furacão destruísse milhares de casas em poucas horas? Arriscaram uma solução e... ficaram entre os dez vencedores, num concurso que teve 465 participantes de 52 países.
As folhas com os desenhos estão penduradas na parede do atelier, na zona das Janelas Verdes. Vê-se uma construção comprida, com poucos andares, formada por pequenas unidades quadradas.
O regulamento do concurso apresentava algumas exigências. O que se pedia era uma solução - que não seria permanente, dado que as pessoas voltariam, assim que fosse possível, às suas casas - e que permitisse às vítimas da tragédia (aproximadamente 20 mil agregados familiares) ficarem o mais próximo possível do local a reconstruir e dos seus circuitos habituais (prevendo-se, por exemplo, que parte delas voltassem aos seus empregos e às suas rotinas rapidamente).
Construir sobre as estradas
"A solução que encontrámos para os problemas de densidade [populacional], rapidez de execução e necessidade de espaço", explica João Sequeira, "foi construir ao longo do limite da destruição". É por isso que se vê nos desenhos uma linha vermelha que serpenteia, rodeando a área atingida. A proposta dos AJLS é que ao longo dessa linha, sobre as estradas, seja colocada a estrutura provisória de habitação. "Após uma catástrofe limpam-se as estradas de acesso ao local. A ideia do cordão em redor da área permite que haja mais pontos de acesso à zona e que cada família fique alojada o mais próximo possível dos seus percursos habituais".
"Depois, para quebrar a monotonia, e evitar que pareça uma lombriga ao longo da cidade, pensámos em dois sistemas, um com três pisos e o outro com quatro", explicam os AJLS. Evita-se a ideia de massificação, apostando na diferenciação (tanto na estrutura geral como depois na combinação dos módulos-casa) e permite-se uma relação mais personalizada com cada habitação.
Há, por outro lado, a questão da rapidez. Num primeiro momento as pessoas podem ser colocadas em escolas ou pavilhões. Mas pretende-se realojá-las assim que for possível. "A vantagem do nosso projecto é que o módulo [de habitação] já existe. O tempo necessário é apenas o da preparação do terreno e da montagem dos módulos", frisam os arquitectos. O timing previsto é mais ou menos este: "No 5º dia depois da catástrofe começam a remover-se os destroços, no 7º repara-se a rede dos esgotos e outras ligações, e ao 10º inicia-se a implantação das estruturas provisórias; a partir do 30º dia, os módulos estão prontos para começar a receber pessoas."
Outra vantagem deste modelo é que os módulos podem ser transportados até ao local por via terrestre - e o projecto prevê que sejam montados precisamente sobre a estrada. "O transporte de helicóptero tem um custo enorme. Por isso, o mais provável é o uso de camiões. E estarmos numa estrada até nos dava jeito, porque as infraestruturas de água e esgotos estão nas estradas e faz-se uma ligação a partir do ramal."
Os módulos têm uma dimensão que lhes permite serem transportados nos camiões, com três hipóteses: 16, 6 e 3 metros. E podem ser combinados de diferentes formas, conforme a dimensão das famílias a alojar. Em alguns casos, existe uma espécie de rés-do-chão porque, apesar da ideia ser uma estrutura um pouco elevada, sobre pilares, é preciso haver soluções para pessoas com problemas de mobilidade. Este piso térreo pode também servir para colocar lojas ou serviços temporários. Se uma família for grande pode ser instalada num duplex (há alguns módulos com escadas interiores). No exterior também estão previstas escadas, para além de, em certos pontos, elevadores.
Além disto tudo, havia no concurso uma preocupação ecológica. "É tudo feito para ser retirado num período máximo de cinco anos", explicam os autores. Assim, "as fundações são superficiais" e as casas têm autonomia energética, usando painéis solares. Os módulos têm uma moldura de metal, e as paredes são de viroc (placa de aglomerado de cimento e madeira), com revestimento de madeira.
Abrigo para refugiados
Os AJLS olham para os desenhos na parede e ainda não acreditam muito bem em tudo o que lhes aconteceu nos últimos meses. O atelier, criado por João Sequeira e pela mulher, Luísa, existe desde 1990, mas, por causa do trabalho de ambos como professores, estava em desaceleração forçada. Até que no ano passado, João e Luísa aceitaram três estagiários, a Ana, a Marta e o Pedro, e decidiram lançar-se num concurso promovido pela União Internacional de Arquitectos (UIA) para criar um abrigo para refugiados de catástrofes naturais ou políticas - algo que substituísse as tendas, e as toneladas de plástico, habitualmente usadas pelas Nações Unidas.
Os AJLS criaram um módulo, que se coloca em cima de uma fossa céptica, e que se abre, podendo unir-se a outro. Ganharam o primeiro lugar. Daí para o concurso de Nova Iorque foi um passo natural, numa área de construção ainda pouco explorada em Portugal.
Por enquanto os arquitectos estão à espera de saber se algum dos seus projectos vai tornar-se realidade. Em Nova Iorque, é possível que, se houver empresas interessadas, um ou dois dos vencedores venham a ter um protótipo construído. No concurso da UIA, tudo depende do interesse da ONU.
E, lembram, "Lisboa também não tem nada preparado para qualquer tipo de emergência, um terramoto, por exemplo". Não é preciso investir demasiado, garantem. "O que interessa é ter guardado um modelo. Na altura em que for necessário, a fabricação é rápida."

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