Fantasporto O festival da luz vermelha contra-ataca
A 28.ª edição do Fantas tem uma passadeira vermelha (e um bergmaniano, Max von Sydow, em cima dela), uma mulher de vermelho e sessões numa sala verdadeiramente red light district onde só estávamos habituados a ver filmes hard core (e onde esta semana, perdoem-nos o espanhol, vamos ver la picha de Hitler e o preservativo assassino). Começa hoje
a Em Paris há um cinema (o Studio Galande) onde se vê sempre o mesmo filme há mais de 20 anos (e só lhe chamamos filme por facilitismo, porque The Rocky Horror Picture Show é uma experiência-limite daquelas para não tentar em casa). No Porto esse cinema é o Fantasporto (uma edição sem Ichi the Killer, de Takashi Miike, ou sem Meet the Feebles, de Peter Jackson, será o fim do mundo tal como o conhecemos, mas esse dia descrito no Apocalipse segundo S. João ainda está para chegar). Este ano, pela 28.ª vez (não é, mas é como se fosse), vai haver Ichi the Killer e Meet the Feebles. Mas também vai haver um filme dos irmãos Coen (Este País Não É para Velhos, que abre oficialmente o festival às 21h30 de hoje), o actor favorito de Ingmar Bergman (Max von Sydow), a mulher de vermelho (Kelly LeBrock, directamente dos anos 80 para o Fantas), uma retrospectiva Fernando Lopes, três competições oficiais, la picha de Hitler (perdoem-nos o espanhol), um preservativo assassino - e o filme por que todos esperávamos, The Rocky Horror Picture Show. Os Irmãos Coen e Hitler, Bergman e o preservativo assassino, Fernando Lopes e o Glen (ou é a Glenda?): podiam ser seis festivais diferentes, mas isto de que temos estado a falar, isto que parece ter dupla personalidade, é o Fantasporto. Aqui as coisas nunca estiveram demasiado arrumadas: Hal Hartley, e a seguir zombies em Torremolinos, não havia impossíveis. Ainda não há. Mas passou a haver um protocolo no ano em que o festival saiu do Auditório Nacional Carlos Alberto (cerveja e cigarros na sala, pés em cima das cadeiras, sessões até às 5h da manhã e um funcionário corcunda: ainda estamos a ver o filme, e era de terror) e se mudou para o Rivoli. Teremos sempre o Carlos Alberto, sim, como noutro filme Humphrey Bogart e Ingrid Bergman tinham sempre Paris, mas esta é a edição em que o Fantasporto assume, a pedido de várias famílias, o regresso às origens como um programa. Não é o Carlos Alberto, é muito pior: a partir de quinta-feira, vai haver sessões no Teatro Sá da Bandeira (a sala onde agora das duas uma: ou vemos filmes pornográficos ou vemos as revistas do Camilo de Oliveira). Nem tudo está perdido: o Fantasporto pode voltar a ser o festival da luz vermelha (o Sá da Bandeira é sala para isso). E nós podemos voltar a ter o guilty pleasure de ver os piores filmes de todos os tempos (filmes bons, de tão maus): Lorna (Russ Meyer), Attack of the Killer Tomatoes (John de Bello), Glen or Glenda (Ed Wood), Killer Condom (Martin Walz) e, guardámos o melhor para o fim, Ellos Robaron la Picha de Hitler (Peter Temboury). Passa às 21h30 de terça-feira, dia 4. Mas não fomos nós que dissemos. Se alguém perguntar, estávamos lá para ver o Freaks, de Tod Browning, ou o The Incredible Shrinking Man, de Jack Arnold, só que enganámo-nos no horário.
A de Assayas, Z de série Z
Há série Z em quantidades que podem provocar insanidade temporária na 28.ª edição do Fantas. Mas há um festival paralelo a esse, que começa esta noite no Grande Auditório do Rivoli com um filme que acaba de ganhar Óscares (só não dizemos quantos porque à hora de fecho desta edição ainda não havia fumo branco), Este País Não É para Velhos, e acaba no dia 9 com The Mist, o novo do realizador de Os Condenados de Shawshank, Frank Darabont. E, antes que nos esqueçamos e saiamos daqui disparados, também há o núcleo-duro das secções competitivas (Secção Oficial Cinema Fantástico, Semana dos Realizadores e Orient Express), em que este ano concorrem realizadores como Takashi Miike (Sukiyaki Western Django), Jaume Balagueró (Rec), Kim Ki-duk (Breath), Olivier Assayas (Boarding Gate), Dario Argento (Mother of Tears), Park Chan-wook (I"m a Cyborg but That"s OK), Steve Buscemi (Interview), Bruno de Almeida (The Lovebirds), Edgar Pêra (Rio Turvo) e até Lars von Trier (com uma curta, mas concorre: com Occupations, o pequeno filme que produziu para os 60 anos do Festival de Cannes). Apostas a partir de sexta-feira, quando a competição abrir com The Band"s Visit, do israelita Eran Kolirin, e El Orfanato, do espanhol Juan António Bayona; a secção Orient Express começa no sábado com o Urso de Ouro do Festival de Berlim em 2007, Tuya"s Marriage, do chinês Quan"an Wang, um dos escassos realizadores da Sexta Geração a demonstrar interesse pela China rural.
Entretanto, na galáxia não muito distante do Pequeno Auditório (e, nos intervalos da série Z, do Sá da Bandeira), o Fantas vai de retrospectiva em retrospectiva até à retrospectiva final. Este ano, revemos Max von Sydow (o Max von Sydow de Morangos Silvestres e o Max von Sydow de Flash Gordon), o cinema dinamarquês em alguns dos seus estados (Ingmar Bergman, Lars von Trier e Jorgen Leth, à frente de um grande elenco), a produção desenfreada do chileno Alejandro Jodorowsky, o cinema de animação japonês de Hayao Miyazaki (quase todo) e o inevitável Takashi Miike.
Mas retrospectiva a sério é a que o Fantasporto dedica este ano ao cineasta português Fernando Lopes, que seleccionou expressamente para o festival alguns dos seus filmes (as longas 98 Octanas, Belarmino, Crónica dos Bons Malandros e O Delfim, e as curtas Lissabon, Wuppertal, Lisboa e Elegia por Alguns Fotogramas Portugueses). O programa inclui ainda uma masterclass do realizador (dia 3 de Março) e a estreia do documentário de João Lopes, Fernando Lopes, Provavelmente.
Fora cá dentro
O ano em que o Fantasporto exibe mais filmes (359) é também o ano em que o Fantasporto acontece em mais sítios ao mesmo tempo (e já não estamos a falar das duas salas do Rivoli e do Teatro Sá da Bandeira). A partir de quinta-feira, ele vai andar aí, em dez complexos Lusomundo: Dolce Vita (Porto), Glicínas (Aveiro), Bragaparque (Braga), Dolce Vita e Fórum Coimbra (Coimbra), Fórum Viseu, Gaiashopping (Gaia), Parque Nascente (Gondomar), Norteshopping (Matosinhos) e Vita Douro (Vila Real). Vale tudo, desde o Pesadelo em Elm Street V ao Tuno Negro (terror com tunas académicas, em Salamanca). David Cronenberg (Spider), Michel Gondry (A Ciência dos Sonhos), Shniya Tsukamoto (Tetsuo 2), Tim Burton (A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça), M. Night Shyamalan (A Vila), David Lynch (Twin Peaks - Os Últimos Sete Dias de Laura Palmer) são outras possibilidades.
Cá dentro ou lá fora, o Fantasporto é esse festival que já vimos em qualquer lado. Mesmo numa sala da Lusomundo dentro de um centro comercial é como se estivéssemos em casa: somos bem capazes de nos cruzar com o Meet the Feebles. E não será a primeira nem a última vez.