O Kosovo começou a aprender a escrever independência

Toda a gente saiu à rua para celebrar a emancipação da Sérvia, enquanto os políticos pediam união

a Em meia hora, a gente do Kosovo encheu de escritos, escrevinhadelas e desenhos em que se destacavam corações de todos os feitios as grandes letras amarelas ao lado da Escola Americana de Pristina que dizem, em inglês, New Born. É o mais novo monumento da capital do novo Estado europeu, que assinala o seu estatuto de recém-nascido como nação independente, depois de, ontem, o Parlamento ter declarado a independência da Sérvia. Os cidadãos foram convidados a deixar a sua mensagem nas letras que diziam "acabado de nascer" e não se fizeram rogados."Chegou o dia em que o Kosovo é orgulhosamente independente e livre", tinha dito o primeiro-
-ministro, Hashim Thaçi, ao ler a declaração no parlamento. Nas ruas do centro de Pristina, cortadas ao trânsito e que desde a manhã faiscavam de expectativa, não se conseguia dar um passo sequer, tão apinhadas estavam, mas os gritos de alegria mostravam o quanto este momento era esperado.
Enrolados em bandeiras vermelhas e negras com a águia bicéfala da Albânia (90 por cento da população do Kosovo é de etnia albanesa), braços cheios com os pacotes de sumo, garrafas de água, pães inteiros, biscoitos, rebuçados, batatas fritas, embalagens de leite, de iogurte e tantas outras coisas que as empresas presentes no mercado distribuíram ao longo da Rua da Madre Teresa, os kosovares deram vazão à sua alegria.
Uma piscadela à UE
Pouco antes das palavras de Thaçi, começou a aparecer, lado a lado com as bandeiras vermelhas e negras, a nova bandeira do Kosovo - que é uma verdadeira piscadela de olho à União Europeia. O fundo é azul e, dentro de um círculo de estrelas como as da UE, à qual o Kosovo aspira aderir rapidamente, está desenhada a amarelo a ex-
-província Sérvia, bojuda no meio e afilada nas pontas, lembrando vagamente um diamante.
Não alude às cores e símbolos albaneses ou sérvios, como se pretendia, e projecta-se no futuro ansiado. E é consequente com outra simbologia da nação que começa a nascer, sob os olhares atentos da UE. O símbolo da polícia do Kosovo, por exemplo, também tem como principal elemento, dentro de um escudo, os contornos do território.
A Constituição e as leis necessárias para pôr em prática as negociações de Matti Ahtisari, o diplomata finlandês que conduziu as negociações (infrutíferas) do Kosovo com a Sérvia, com vista à independência do território, devem começar a chegar nos próximos dias, garantiu o Presidente, Fatmir Sejdiu, numa conferência de imprensa com o primeiro-ministro Thaçi e o presidente do Parlamento, Jakup Krasniqi.
"O documento preparatório da Constituição vai ser tornado público, para os cidadãos se pronunciarem. Há muitas leis em preparação, para criar um país que seja para todos", disse Sejdiu.
Logo na declaração, o primeiro-
-ministro Thaçi, ex-comandante do Exército de Libertação do Kosovo (era conhecido como "Comandante Cobra"), quis deixar uma mensagem aos sérvios (cerca de 120 mil num território de dois milhões): "O Kosovo está unido num momento histórico para melhorar as vidas de todos os cidadãos, seja qual for a sua origem étnica. Peço a TODOS [no discurso está mesmo assim, em letras grandes e a sublinhado] os cidadãos: juntem-se a nós, trabalhem connosco, pois a união é a nossa força".
O bolo da liberdade
Mas, depois de todas estas palavras grandes e bonitas, o que vai ficar diferente? A vida dos kosovares vai mudar com a independência? "Um bocadinho, não muito, mas as pessoas esperavam por isto há muito tempo. As pessoas estão muito felizes", diz Herzi Abdullahn, de 19 anos, que estuda na Escola Americana. "Mas as pessoas vão deixar de andar a olhar para trás das costas", corrigiu. "Isto é melhor do que o concerto do 50 Cent, que esteve cá!", lançou ele, no início da conversa, junto com amigos, num grupo em que corria sem dificuldade a cerveja - e o bolo.
O sentimento de libertação era visível na forma como todos se lançaram sobre o bolo gigante oferecido por uma pastelaria de Pristina, cheio de creme, como são os bolos neste cantinho da Europa, com a palavra independência escrita com bagos de uva. As pessoas arrancavam pedaços do bolo às mãos cheias, como se fossem troféus. Durante uns momentos, toda a gente tinha creme espalhado por todo o lado - na cara, no cabelo, nas mãos, nos casacões obrigatórios por causa do frio cortante, nas bandeiras...
Alguém pensa na possibilidade de haver violência, devido ao descontentamento da minoria sérvia com a separação do Kosovo de Belgrado, que já garantiu que não reconhecerá a independência? "Não, porque os americanos protegem o Kosovo", disse Abdullahn, que viveu sete anos no Texas. "Estou a estudar diplomacia, é isso que quero fazer, lutar pelo melhor para o Kosovo", diz o amigo Albir Azizi, também de 19 anos. "Feliz dia da independência!", atira, num grito que repete os votos presentes em cartazes nas ruas, em anúncios na televisão.
E, a partir de hoje, quando a poeira começar a assentar - ou a lama em que se transformou a neve que caiu na noite anterior, e que se misturou ontem com mais restos da festa, desde sacos e copos de plástico até papéis, balões, cachecóis e luvas perdidas - o que é que os kosovares esperam ver mudar rapidamente? "Empregos. É preciso criar mais empregos", diz Abdullahn, a quem o inebriamento da festa não faz esquecer os problemas do dia-a-dia.

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