"Pela primeira vez está a haver uma revolta social grave"
A cineasta Isabel Noronha diz que as políticas impostas pelo Banco Mundial"se esqueceram de contar com as pessoas"
a Em todos os momentos, em todo o mundo, "as revoltas sociais significam sempre a mesma coisa", diz a cineasta moçambicana Isabel Noronha. "Significam que o fosso social é cada vez maior, que a pobreza que afecta os mais pobres e a falta de perspectivas que afecta a maioria são cada vez mais insuportáveis."
O que aconteceu dia 5 de Fevereiro em Maputo, o "sismo social", como dizem jornais e blogues, foi isso mesmo: a prova de que em Moçambique se atingiu o "limite da capacidade das pessoas de suportar o sofrimento", um pouco como se a imagem de "modelo de sucesso" que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial colaram a Moçambique tivesse falido e esta fosse a derradeira prova para quem não quisesse ver; e o lado mais visível fossem os jovens, os mais afectados por um desemprego crescente e a falta de perspectivas.
"Mas esta foi uma revolta de toda a gente", insiste Isabel Noronha, ao contrário do que disse Governo, tentando "minimizar o facto de pela primeira vez estar a haver uma revolta social grave" em Moçambique.
E que leva jornalistas, sociólogos, mas também Isabel Noronha, a ter a convicção de que "nunca nada será como dantes" no país.
Nem todos concordam, embora esse seja o sentimento mais geral, presente nas colunas de opinião dos jornais. Para Isabel Noronha, há uma explicação. "Em Moçambique, a tradição é de resistência passiva e não de resistência activa", diz sobre "episódios de revolta ao colonialismo, à fome, às guerras". E conclui: "Para as pessoas se revoltarem desta maneira é porque há muito tempo se passou a outro estádio."
Pode imaginar-se uma ponte com o filme da realizadora, Sonhos Guardados, um documentário de 2004 (Prémio do Instituto Camões para o Melhor Filme de Expressão Lusófona) e que nas palavras da própria traça "a trajectória de um país desde a época pós-independência até à entrada na era capitalista selvagem". Um filme que transmite "o sentimento de desilusão e desesperança das pessoas que tinham a ideia de um país onde podiam ter trabalho, casa, um sonho, e que de repente se vêem sem nada".
O que se passa agora, continua Isabel Noronha, é a "continuação já esperada disso" - "isso" são as políticas "encomendadas" pelas instituições de Bretton Woods. "Políticas que se esqueceram de contar que havia pessoas e que as pessoas não iam aguentar." Ao "capitalismo selvagem", diz, responde-se com uma "revolta selvagem". A.D.C.