Grémio Lisbonense recebeu ordem de despejo do Rossio
a Sentou-se e esperou que o barbeiro lhe cortasse o cabelo, como de costume. O gesto do presidente do Grémio Lisbonense, Alfredo Teixeira, nada teria ontem de extraordinário não fosse o caso de se ter passado no dia em que as autoridades entraram na sede da colectividade, em pleno Rossio lisboeta, para a despejar dali.É estranho tentar ligar o rosto envelhecido e os cabelos brancos de Alfredo Teixeira e sócios aos actos de vandalismo de que os senhorios do prédio pombalino acusam o Grémio. Mas os tribunais em que as partes andam enfiadas de há uma década a esta parte - chegaram ao Constitucional e ao Supremo Tribunal de Justiça - deram como provada a realização de obras ilegais no edifício por parte da colectividade, à revelia do senhorio. Um dos salões está, aliás, meio desfeito. O chão que deve ter sido em madeira está forrado a uma massa de pedra e betão. "Como no resto da casa, tinha azulejos antigos até meio da parede. Estragaram tudo", dizia ontem Fátima Vasconcelos e Sousa, uma das proprietárias do edifício.
A também marquesa de Santa Iria fala do que não conheceu: em 52 anos de vida nunca ali tinha entrado, garante. Despejar os indesejados inquilinos era um desejo do pai, entretanto falecido. O Grémio Lisbonense existe há mais de 150 anos neste local, e pelos dois andares que ocupa paga 333 euros.
A sua advogada, Paula Alves de Sousa, dizia ontem estar marcada para quarta-feira uma reunião entre representantes da colectividade, do senhorio, da Câmara de Lisboa - que declarou a utilidade pública da associação - e da Junta de Freguesia de São Nicolau, com o objectivo de resolver o problema. "Queremos fazer um novo contrato", explicava a representante legal. Com renda actualizada? "As actividades que o Grémio desenvolve, como pintura e fotografia, permitem-no", responde.
Apesar da ordem de despejo, não foi ontem que o espólio da colectividade saiu do Rossio. Como a instituição não tem onde o guardar, ficou no local, depois de inventariado pelas autoridades. As fechaduras foram mudadas, de modo a que só o fiel depositário dos bens ali possa entrar. "Querem aqui fazer um hotel de luxo!", vaticinou o presidente da colectividade. A proprietária nega, diz que é para outra propriedade sua que a família tem esses planos. O edifício do Grémio, que se estende até à antiga Loja das Meias, é para alugar, esclarece.
O pandemónio já se instalara quando Alfredo Teixeira se sentou na velha cadeira de barbeiro. Se calhar foi isso que lhe deu alento para aquele que pode ter sido o último corte de cabelo no Grémio Lisbonense.