Reagan, ex-actor medíocre transformado em presidente dos EUA, tinha visto no cinema alguém que voltou ao Vietname, resgatou prisioneiros de guerra e vingou a derrota americana no conflito asiático. O dever e o espírito de sacrifício acima de tudo. "Desta vez deixam-nos ganhar?", pergunta Rambo ao seu mentor, o Coronel Trautman, antes de aceitar regressar ao Vietname e, sozinho, enfrentar os exércitos vietnamita e soviético. E ganhar-lhes.
"Ronbo" - uma das alcunhas de Reagan - adoptava Rambo como símbolo da força da América e da redenção de erros passados (a derrota no Vietname). É claro que Rambo tinha sido criado como uma personagem contra a guerra. No livro de 1972 que deu origem à personagem, Rambo, de ascendência índia, regressava aos EUA um traumatizado veterano de guerra hostilizado pelo xerife de uma terreola e acabava morto. No filme de 1982, pouco depois de Reagan ser eleito, Rambo sobrevive e foge para parte incerta. Até Reagan o descobrir.
Rambo nunca se livrou da fama de "herói de Reagan", tal como, no quarto capítulo, o outro alter-ego de Stallone, Rocky (também recentemente recuperado por Sly), estreado no mesmo ano de "Rambo II". Duas das músicas da banda sonora, "Living in America", de James Brown, e "In the Burning Heart", dos Survivor, davam o mote. De forma pouco subtil, mais do que a vontade de vingança de Rocky face ao Ivan Drago de Dolph Lundgren, Rocky ia para lá da cortina de ferro, defrontava sozinho em Moscovo (vestindo calções com o padrão da bandeira americana) a URSS.
E a América voltava a ganhar, na terra do adversário. Mikhail Gorbachev, primeiro-ministro soviético, não resistia e aplaudia Rocky de pé, tal como todos os que assistiam ao combate. Em 1988, Rambo continuou a lutar as guerras da América. O exército de um só homem foi para o Afeganistão ajudar os mujahedin - base do futuro governo Taliban, que os americanos depuseram depois do 11 de Setembro - contra os invasores soviéticos, mas o significado do filme perde-se. Na altura em que o filme estreou, os soviéticos retiram do Afeganistão e correu mundo a imagem da primeira-dama a beijar o rosto de Gorbachev. Rambo deixava de ser preciso.
Agora, nos últimos dias da administração Bush, Stallone recuperou Rambo, mas não o fez ir ao Iraque ou regressar ao Afeganistão, dois cenários de guerra em que a América de Bush está envolvida, preferindo envolvê-lo num dos grandes focos de instabilidade da actualidade no continente asiático, a Birmânia. Fê-lo, diz, porque quis chamar a atenção do mundo para o país.
Mas também o terá feito porque não gosta de Bush, com quem partilha o dia de nascimento (6 de Julho de 1946). "Olhamos para Bush e vemos teimosia e arrogância. Ele que vá [para as zonas de conflito] e dê dez voltas num "humvee", e, depois, oiço o que ele tem para dizer", afirmou Stallone numa entrevista à "Time", que diz que 2004 (ano da reeleição de Bush) foi o único em que Sly não votou num candidato republicano.
Tal não irá acontecer em 2008. Stallone já declarou o seu apoio a John McCain que, tal como Rambo, é um veterano da guerra do Vietname. "I like McCain a lot. A lot", afirmou Stallone há duas semanas, vendo no candidato a personagem certa para "o argumento brutal que está a ser escrito como um violento filme de acção". McCain devolveu a cortesia, dizendo que, quando fosse a Filadélfia, iria subir as mesmas escadas que Rocky sobe quando se prepara para os seus combates.
O que Stallone pretende mesmo com o último filme de Rambo é renegar a herança conservadora da personagem. Mais de 20 anos depois de Rambo ter regressado ao Vietname para vingar a derrota, Stallone diz, na mesma entrevista à "Time" que toda a gente, Reagan incluído, percebeu mal John J. Rambo. "Nunca o vi como um republicano."