Regicídio Crime ou castigo
Um século passado sobre o regícidio, sabe-se hoje bastante sobre os meandos das conspirações que o antecederam. Mas as perguntas principais continuam sem resposta conclusiva. Costa e Buíça agiram por conta própria ou executaram ordens alheias? Num clima de contestação violenta, porque é que D. Carlos se fez deslocar numa carruagem aberta e sem qualquer protecção policial? Por Luís Miguel Queirós
a Há cem anos, a meio da tarde do dia 1 de Fevereiro de 1908, o rei de Portugal, D. Carlos, e o seu filho mais velho, o príncipe real Luís Filipe, foram baleados, em pleno Terreiro do Paço, por um professor de instrução primária, Manuel dos Reis Buíça, e por um empregado do comércio, Alfredo Costa, que trocara o balcão pela militância revolucionária e criara uma pequena editora de propaganda anti-monárquica. É isto o que se sabe ao certo sobre um dos mais decisivos acontecimentos da história portuguesa, que, como muitos perceberam já na época, anunciava o fim de uma monarquia de oito séculos.Nem sequer é seguro afirmar-se que o rei e o príncipe foram assassinados por estes dois homens. Peritagens recentes sugerem que Buíça tenha sido tecnicamente responsável por ambas as mortes e que Alfredo Costa tenha já esvaziado o seu revólver no cadáver de D. Carlos. Também a bala que matou D. Luís Filipe terá saído da sofisticada carabina Winchester, que Buíça mantinha escondida no seu capote, enquanto aguardava a chegada do landau que transportava o rei, a rainha D. Amélia e os dois filhos do casal: o herdeiro da Coroa e aquele que efectivamente a veio a herdar, ainda que por pouco tempo, o futuro D. Manuel II.
Não faltavam, na Europa da época, exemplos recentes de outros soberanos e estadistas assassinados, mas em Portugal, onde dez anos mais tarde o "presidente-rei" Sidónio Pais viria a ser morto por um atirador isolado, não existiam ainda quaisquer precedentes. É claro que, como a história já provara e viria a confirmar, as figuras de grande notoriedade pública estão sempre sujeitas a alimentar a obsessão de algum maníaco violento. Mas os regicidas portugueses não eram dementes, pelo menos no sentido clínico do termo.
Poucas horas antes do atentado, Costa pagou uma dívida, explicando ao credor que depois já não a poderia saldar. Buíça legou à posteridade um testamento político e deixou uma carta à mulher que amava, explicando que se sacrificava pela pátria e que o fazia com a consciência de estar a "cumprir um dever". Já nos dias que se seguiram ao regicídio, se muitos condenaram o acto, não faltou também quem visse nos regicidas uma dupla de mártires heróicos. Quando o novo governo, dito "de acalmação", permitiu a visita às campas dos assassinos, largos milhares de pessoas foram ao cemitério deixar flores e mensagens sobre os túmulos.
A generalidade dos historiadores têm vindo a revalorizar a figura de D. Carlos, que teria sido, afinal, um soberano seriamente empenhado em reformar o país, um político de profundas convicções liberais, um diplomata hábil e um homem culto, apreciador dos prazeres da vida e dotado de vários talentos. Pintava bem, era um atirador exímio, deixou trabalhos científicos relevantes no domínio da oceanografia, publicou um catálogo ilustrado das aves de Portugal, interessou-se pela fotografia. Todavia, cem anos após a sua morte, as opiniões continuam a dividir-se. A Causa Real promoveu uma petição para que este dia 1 de Fevereiro fosse oficialmente considerado de luto nacional. Já a autarquia alentejana de Castro Verde, de onde era natural Alfredo Costa, homenageará esta tarde o regicida com o descerrar de uma lápide. E a comissão instaladora da Associação Promotora do Livre Pensamento pretende promover uma cerimónia no cemitério lisboeta do Alto de S. João, que incluirá a deposição de uma coroa de flores no local onde repousam as ossadas dos regicidas. Um dos membros da dita comissão é o historiador Luís Vaz, a quem se deve a sugestão de que o regicídio possa ter sido autonomamente planeado e executado pela Associação Propagadora da Lei do Registo Civil. O nome, e o propósito nele implícito, sugerem uma organização inofensiva, mas esta associação contava, na época, com milhares de associados, incluindo, ao que parece, os dois regicidas, mantinha ligações internacionais, relacionava-se com a Maçonaria e a Carbonária portuguesas, e era animada por um ideário republicano e anti-clerical com influências anarquistas.
Como muitas outras respostas dadas à mesma pergunta - quem promoveu, organizou e ordenou o atentado a D. Carlos? -, também esta carece de comprovação. E há outras perguntas que há muito se colocam e que igualmente têm suscitado explicações diversas. Porque é que se tinha tornado urgente eliminar o rei? Ou o atentado visaria, afinal, o chefe do governo, João Franco, e o regicídio teria resultado de uma decisão tomada na hora? Resta ainda esta questão mais comezinha, mas que já há cem anos muitos se colocaram: porque é que, num país onde fora sufocada, apenas três dias antes, uma tentativa de insurreição armada, D. Carlos cometeu a ostensiva imprudência de se deslocar num veículo aberto e praticamente sem protecção policial?
A frieza real
São também muitos os momentos em que se pode querer fazer começar a sucessão de acontecimentos que desembocou no regicídio. Um dos mais usuais é o do ultimato de 11 de Janeiro de 1890, quando os ingleses exigiram a Portugal que retirasse as suas forças do Chire - território que corresponde sensivelmente ao actual Malawi -, o que implicava renunciar ao projecto de criar um império contínuo de Angola a Moçambique. Apesar de ser bastante duvidoso que o país tivesse condições para concretizar esse sonho colonizador, e ainda mais que estivesse em posição de poder afrontar a Inglaterra, as exigências britânicas foram sentidas em Portugal como uma afronta e provocaram uma vaga de indignação patriótica.
Foi esta a primeira grande bota que D. Carlos teve de descalçar. O seu pai, D. Luís, tinha morrido poucos meses antes, e ele, com 26 anos, acabava de subir ao trono. Sabe-se que ainda procurou persuadir Eduardo VII a aceitar uma solução que não enxovalhasse demasiado o orgulho nacional. Mas logo no dia seguinte o governo progressista de José Luciano de Castro cedia em toda a linha, e dois depois já se anunciava a nomeação de um novo executivo, liderado pelo regenerador António de Serpa Pimentel. Nos meses seguintes, sucederam-se as manifestações de protesto. E mais de um ano depois do ultimato, o Porto tentaria, na malograda intentona portuense de 31 de Janeiro de 1891, derrubar a monarquia e implantar a República. O directório republicano demarcou-se do golpe, mas a monarquia tinha recebido o primeiro aviso.
D. Carlos, talvez mais do que os dois partidos monárquicos e os seus líderes, que estavam sempre a revezar-se no poder, pagou o ónus da cedência à Inglaterra. Foi também acusado, sobretudo pela propaganda republicana, de receber com frieza e alheamento o descontentamento popular provocado pelo ultimato. Com maior ou menor justiça, esta imagem de um rei distante, indiferente à plebe sobre a qual lhe coubera em sorte reinar, ficar-lhe-ia indelevelmente colada. Era o monarca que achava Portugal uma "piolheira". Não há evidência segura de que tenha, de facto, proferido esse desabafo, mas quando o boato foi posto a correr, acreditou-se facilmente que era verdadeiro.
Para se explicar esta sua reserva, de que, aliás, não daria provas na intimidade - era um bom conversador e não se ressentia de que o contrariassem, assegura Ramalho Ortigão -, tem-se argumentando com a educação que recebeu. De facto, pouco ou nada conviveu, nos seus anos de formação, com pessoas exteriores a um círculo muito restrito de cortesãos. E como quase não tinha família chegada a viver em Portugal, não terá tido, na sua infância e adolescência, grandes amigos íntimos.
Já da sua instrução, o mínimo que se pode dizer é que foi esmerada. Dispôs de mestres qualificados, geralmente de orientação liberal e, ao que parece, foi um aluno aplicado. Rui Ramos elenca o seu programa de estudos secundários. A lista é impressionante: português, latim, grego, francês, inglês, alemão, italiano, história, geografia, filosofia, ciências naturais, matemática e desenho. Teve ainda professores de pintura, música, ginástica, equitação, esgrima, instrução militar e direito constitucional. E recebeu, claro, a instrução específica de quem está destinado a reinar e precisa de conhecer em detalhe o funcionamento das instituições do seu país. Em 1882, com 19 anos, começa a assistir às reuniões do Conselho de Estado. E logo no ano seguinte, por ocasião de uma visita oficial de D. Luís e da rainha Maria Pia a Espanha, é chamado a assumir a regência do reino.
Um semestre aziago
Quando, aos 26 anos, sucede a seu pai, a prática política que vigorava há décadas em Portugal era o chamado rotatitvismo. Havia dois partidos monárquicos, o regenerador e o progressista, o primeiro teoricamente mais à direita e o segundo mais à esquerda, que governavam à vez. Uma realidade que não parecerá excessivamente exótica aos portugueses de hoje. Havia também eleições de deputados, embora o parlamento muitas vezes encerrasse por longos períodos. Uma peculiaridade da época é que, servindo as eleições basicamente para dar maiorias parlamentares ao governo em funções, os gabinetes, mesmo assim, estavam constantemente a cair, quer porque a oposição funcionava, quer porque a emergência de novos partidos, resultantes de cisões dos antigos, tinha vindo perturbar o sistema.
Quando um governo se demitia, cabia ao rei nomear um novo. E se o executivo, não dispondo já de condições para governar, tentava manter-se no poder, o rei dispunha de meios de pressão consideráveis, mesmo sem ter de usar todas as suas pregorrativas constitucionais. Foi justamente o que fez D. Carlos, no início de 1906, quando forçou o governo progressista de José Luciano de Castro a pedir a demissão. Num primeiro momento, a lógica rotativista manteve-se, com Hintze Ribeiro a assumir a chefia do novo governo regenerador. Mas este não tardou a cair, sob a oposição concertada dos progressistas e dos ex-regeneradores agrupados no Centro Regenerador Liberal de João Franco. O pretexto imediato para a queda de ambos os gabinetes fora a recusa do rei em permitir que se governasse por decreto, adiando a abertura do Parlamento. Ora, D. Carlos, não só convida João Franco a formar governo, deixando de fora os dois grandes partidos monárquicos, como lhe concede justamente o que recusara aos seus antecessores. Os republicanos, mas também os que pouco antes tinham pedido o mesmo que Franco agora alcançara, clamaram indignadamente contra esta ditadura sustentada pelo rei.
Para D. Carlos, esse primeiro semestre de 1906 não estava a revelar-se nada agradável. Logo em Janeiro, soube que era diabético, uma doença então potencialmente fatal - ainda não se usava a insulina -, e que o obrigava a dietas rigorosas, decerto difíceis de suportar a um homem que gostava da boa mesa. Em Abril, amotinara-se a tripulação do cruzador D. Carlos, e, em Maio, uma entusiástica recepção republicana a Bernardino Machado redundara em violentos confrontos com a polícia.
No entanto, o consulado de João Franco até nem começara mal. Começou por aministiar os crimes de imprensa - o seu antecessor, Hintze Ribeiro, perseguira duramente os jornais -, o que lhe trouxe natural popularidade. Mas o estado de graça durou pouco. Franco caiu na imprevidência de ressuscitar o problema dos adiantamentos de dinheiro à Casa Real, que já provocara grandes discussões. Assumiu que estes tinham existido, arranjou uma solução para os saldar e, erro fatal, resolveu aumentar a dotação, medida que o próprio rei o aconselhou a não tomar, prevendo que as consequências junto da opinião pública seriam desastrosas. E foram. O deputado republicano Afonso Costa deu o mote, afirmando que "por menos do que fez o senhor D. Carlos, rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI".
Até ao final do ano, sucederam-se os comícios. Um deles, no Porto, reuniu mais de dez mil pessoas. Confrontada com este clima de oposição violenta, a ditadura administrativa de João Franco vai assumir aspectos efectivamente ditatoriais. As suspensões de jornais e os julgamentos por delito de imprensa sucedem-se a um ritmo frenético.
Com os dois partidos históricos descontentes, com os republicanos, que em 1906 conseguiram uma pequena representação parlamentar, a alargarem diariamente a sua base popular de apoio, com algumas lojas da Maçonaria a servirem de cenário a reuniões conspirativas, com a revitalização da principal carbonária portuguesa, reorganizada pelo bibliotecário Luz de Almeida, com os movimentos revolucionários civis e as células anarquistas a recrutarem livremente em Lisboa e no Porto, os ingredientes começavam a tornar-se francamente explosivos. Também em sentido literal, como se viu quando, em Agosto de 1907, rebentou uma bomba em Lisboa, que apenas atingiu os revolucionários que a estavam a fabricar. Uns meses depois explodiu outra, que novamente só feriu dois bombistas, deixando ileso um terceiro, detido no local. Chamava-se Aquilino Ribeiro.
Não é fácil predizer a que resultados teria conduzido este clima de revolta e conspiração, que em algum grau já existia antes mesmo de D. Carlos subir ao trono, se determinadas circunstâncias não o tivessem encaminhado para o desenlace que conhecemos. Uma dessas circunstâncias, aparentemente irrelevante, mas que veio a revelar-se decisiva, remonta a 1905, quando um dos políticos progressistas mais proeminentes, José Maria de Alpoim, abandona o partido em ruptura com José Luciano de Castro e cria, com uma vintena de deputados que lhe era fiel, a Dissidência Progressista.
Os dois viscondes
O que começara por ser uma luta de galos no interior do Partido Progressista vai ter consequências trágicas, já que Alpoim, percebendo que o regime lhe fechara o acesso ao poder, acabará por decidir que a solução é derrubá-lo. Já em Maio de 1907, acompanhado de um correligionário, o visconde da Ribeira Brava, terá começado a conspirar com o republicano Afonso Costa. No mês seguinte, o visconde encontra-se com o jornalista João Chagas e, dessa conversa, resulta uma reunião mais alargada, na própria casa do aristocrata. Confiando no que veio a escrever o próprio João Chagas, citado por Rui Ramos, estiveram presentes, entre outros, os republicanos Afonso Costa e Alexandre Braga, dois militares e, pelo lado dos monárquicos dissidentes, José Maria Alpoim e Egas Moniz, futuro Nobel da Medicina. Ainda segundo Chagas, haveria também políticos regenaradores comprometidos na conspiração.
O objectivo era derrubar o regime pela força. Foram discutidas várias estratégias, e quer a morte do rei, quer a de João Franco, terão sido pelo menos equacionadas. Mas a decisão final foi a de se lançar uma revolução, com o apoio dos militares.
O acordo estabelecido entre republicanos e dissidentes previa que os primeiros recrutassem gente e os segundos fornecessem armas e dinheiro. Até hoje, era ponto mais ou menos assente que a Winchester utilizada por Buíça, uma arma dispendiosa e altamente eficaz, fora adquirida, juntamente com mais cinco, pelo visconde da Ribeira Brava. O historiador Mendo Castro Henriques, coordenador da obra Dossier Regicídio: O Processo Desaparecido, assegura ter encontrado evidências documentais de que o comprador foi, afinal, o visconde de Pedralva.
Que os líderes republicanos da revolta, ou alguns deles, estabeleceram contacto com núcleos carbonários e outros grupos revolucionários, que, em alguns casos, já vinham eles próprios tratando de organizar revoltas e atentados por sua própria conta, parece indiscutível. O testemunho de Aquilino Ribeiro, que foi iniciado numa célula carbonária a que também pertencia o regicida Alfredo Costa, deixou-nos um retrato eloquente do funcionamento destes grupos, que teoricamente dependiam duma direcção, a Alta Venda, mas que, na prática, tinham uma considerável autonomia.
Se a Maçonaria, que mesmo nesta época incluía alguns monárquicos, e a Carbonária eram organizações distintas (e havia outra Carbonária, dita dos anarquistas, dirigida por Heliodoro Salgado, que não tinha relação com a de Luz de Almeida), muita gente pertencia a ambas. E alguns pertenceriam também à já referida Associação Propagadora da Lei do Registo Civil.
O que falta saber em detalhe é o modo como se estabeleceu esse relacionamento entre políticos republicanos e revolucionários radicais, e que características adquiriu. Jorge Morais, no livro Regicídio: A Contagem Decrescente, admite que um vaso comunicante possa ter sido uma efémera associação secreta, pitorescamente intitulada "A Coruja", que a Carbonária teria promovido justamente para angariar republicanos que receavam comprometer-se directamente com a organização.
Presos no elevador
O certo é que em Janeiro de 1908 se estão já a ultimar os preparativos da revolução. E sem grandes cautelas conspirativas. O primeiro percalço ocorre quando um comerciante envolvido na intentona, apostado em aliciar um polícia, lhe indica os sítios onde se guardavam as armas e lhe fornece nomes de dirigentes. O polícia denuncia a trama e, no dia 23, é preso António José de Almeida, seguindo-se, a 26, João Chagas. O primeiro era um deputado republicano e a sua detenção contribui para exaltar ainda mais os ânimos.
No início do mês, aos recorrentes enxovalhos que o rei sofria na imprensa, tinha-se acrescentado a publicação do romance O Marquês da Bacalhoa, escrito por António Albuquerque, um aristocrata convertido à República, que, sob nomes supostos que não enganavam nenhum leitor, atribuía à rainha D. Amélia ligações lésbicas, que teriam levado ao suicídio Mouzinho de Albuquerque, sobre o qual corria o boato de que seria seu amante.
Com José António de Almeida preso, Afonso Costa tomou as rédeas da conspiração e, em tempo recorde, lançou a revolta, que estalou no dia 28. O plano final tinha sido aprovado na véspera, num encontro em casa do empresário Luís Grandela. Previa o assassinato de João Franco e a tomada de vários pontos estratégicos por grupos armados de carbonários, entre os quais aquele que ficou conhecido como "o grupo dos 18", cuja figura de proa era Alfredo Costa, e que incluía também Buíça. Os líderes da conspiração aguardariam os acontecimentos no elevador dito da Biblioteca, donde sairiam rumo à Câmara Municipal logo que recebessem a informação de que o golpe tivera sucesso. Mas a revolução fora rapidamente abortada e João Franco estava ileso. Um polícia, que achou estranho ver tanta a gente a entrar para um elevador que àquela hora não funcionava, denunciou os líderes da conspiração, que foram detidos. Entre eles contavam-se Afonso Costa, o visconde da Ribeira Brava e Egas Moniz. O visconde de Pedralva é preso mais tarde, juntamente com muitos outros conspiradores. José Maria Alpoim consegue escapar para Espanha.
D. Carlos está em Vila Viçosa com a rainha desde o dia 6 de Janeiro e é lá que sabe das prisões de António José de Almeida e João Chagas e, depois, da revolta do dia 28. A 30 informa João Franco que aprovará o decreto que este preparou para condenar os implicados a penas de degredo. Assina-o no dia seguinte, quando os seus termos já seriam conhecidos em Lisboa, e terá então dito que estava também a assinar a sua pena de morte (ver infografia).
Depois do crime
O que se passou depois do regicídio, é sabido. D. Manuel demite João Franco e empossa um governo "de acalmação", presidido pelo almirante Ferreira do Amaral. Os presos da intentona de 28 de Janeiro são libertados poucos dias depois. O processo judicial do regicídio, que terminará a sua fase de instrução nas vésperas da implantação da República, é rapidamente esquecido e toda a documentação desaparece em circunstâncias ainda por esclarecer.
Por esclarecer ficam também outras perguntas. Buíça e Costa tencionavam matar João Franco, como sugeriu Aquilino Ribeiro, ou o alvo foi sempre D. Carlos? A segunda hipótese é francamente mais provável. Os regicidas agiram por conta própria - entendendo a expressão como eventualmente extensível ao pequeno grupo carbonário a que pertenciam -, ou receberam instruções "de cima"? Na desorientação que se seguiu ao fracasso de 28 de Janeiro, a hipótese de que tenham decidido cumprir tardiamente a missão de que estariam encarregados no contexto da intentona não parece implausível. E há indícios de que, se falhassem, poderia haver outros cúmplices encarregados de terminar o trabalho.
A última questão é a de saber porque é que, informado do clima que se vivia na capital, D. Carlos se deslocou numa carruagem aberta. Todos o reconheciam como um homem corajoso, mas, se acreditasse seriamente na hipótese de um atentado, sujeitaria a família a um tal risco? Sabe-se que foi ele que exigiu os landaus, em vez dos automóveis fechados que tencionavam mandar-lhe. Só não se sabe se insistiu para viajar com a capota aberta.
E porque é que João Franco não garantiu protecção policial adequada? Esta imprevidência, a que D. Amélia chamou loucura, foi-lhe censurada logo na época. Uma explicação é a de que a fácil repressão da revolta o deixara demasiado confiante. Outra é a de que esperava que o pudessem querer matar a ele, mas não ao rei. Nenhuma delas parece especialmente verosímil.