O regresso da Marinha russa ao Atlântico
Um cruzador de mísseis está atracado em Lisboa. É um sinal de "diplomacia naval", mas também nova expressão da ambição de Moscovo de afirmar o poderio militar da Rússia
a O pedido tem tanto de raridade que o vice-comandante da frota russa do mar Negro, vice-almirante Vasili Kondakov, o recorda com especial satisfação. Levavam já mais de uma semana de exercícios no Atlântico - uma operação que a Marinha russa descreveu como a maior feita pelas forças navais e aéreas do país nestas águas internacionais nos últimos 15 anos - quando "um navio alemão se aproximou e pediu que [o cruzador de mísseis] Moskva desse uma volta para o fotografarem". "Satisfaz-nos muito causar todo este interesse. E é muito gratificante estarmos a fazer cada vez mais exercícios conjuntos. Deixámos de nos olhar através de uma mira", notou Kondakov, a bordo do navio que lidera a frota russa do Mar Negro, atracado no porto de Lisboa desde a passada sexta-feira, e até amanhã, para uma "visita de cortesia, não oficial".
A raridade da troca de cumprimentos navais que o Moskva protagonizou na passada quarta-feira vem de não serem vistos navios de combate russos em exercícios militares de larga escala na zona do Atlântico nem do Mediterrâneo - "lagos" da NATO - há quase duas décadas. Esta operação das frotas russas do mar Negro e do Atlântico Norte - envolvendo 11 navios de combate, incluindo o porta-aviões pesado Kuznetsov, dois destroyers e o Moskva - levou uma boa parte da Marinha russa aos portos de seis países e contou com a realização de exercícios conjuntos com a Itália e a França (na semana passada) e com Portugal (amanhã). "A NATO mostrou todo o interesse em que a frota russa cumprisse estas tarefas de treino no Atlântico com sucesso", sublinhou Kondakov.
A operação fora anunciada em Dezembro passado, tendo o ministro da Defesa, Anatoli Serdiukov, precisado então que tinha por objectivo "assegurar a presença naval no Nordeste do Atlântico e no mar Negro e estabelecer condições de segurança para a navegação russa", sinalizando a intenção de Moscovo de voltar a ter uma presença constante nestas zonas não frequentadas pela Rússia desde o fim da Guerra Fria.
Navios antiquados
Peritos militares ocidentais estimam, porém, que o que a Rússia aqui deu a ver constitui o grosso do actual poderio naval de superfície de Moscovo, sublinhando que os navios datam de há mais de 20 anos e que os bombardeiros que os acompanham são igualmente antiquados.
Há efectivamente um abismo de poderio entre a frota russa de 2008 e a soviética de meados de 1980, então uma força poderosa com bases espalhadas por todo o mundo. "Mas foi uma das maiores vítimas do colapso do comunismo", avaliava o Times em editorial, evocando como em boa parte "foi perdida" para a Ucrânia e para os Estados bálticos com a desagregação da União Soviética.
Os gastos da Rússia na defesa aumentaram bastante nos últimos anos - o Programa de Armamento do Estado, assinado pelo Presidente russo, Vladimir Putin, em Outubro de 2006, prevê um influxo de quase 140 mil milhões de euros até 2015 só em compras de armas, incluindo mísseis balísticos intercontinentais e submarinos - mas são, em termos absolutos, substancialmente menores do que os da China, do Reino Unido ou da França e menos de um décimo dos 459.300 milhões de dólares previstos pelos Estados Unidos para este ano. Para 2008 a Rússia aprovou gastos na defesa no total de 36.800 milhões.
Regresso ao mar
A demonstração de capacidades feita nas últimas semanas veio, porém, deixar clara a intenção de Moscovo de tirar a moribunda Marinha da longa hibernação e enviá-la de regresso ao mar como demonstração de poderio militar no palco mundial. E prova da vontade de Putin em "tornar a Rússia de novo grandiosa".