Defesa e crítica a Rui Costa
a Imaginemos que alguém me pedia, há meia dúzia de meses, um conselho sobre um potencial candidato a director desportivo do Benfica. Reduzindo a escolha ao universo nacional, imediatamente pensaria em Rui Costa. Mais do que isso, deixaria claro que todas as alternativas me pareciam claramente menos fiáveis e interessantes. Imaginemos que me voltavam a fazer a mesma pergunta nos últimos dias. Continuaria a pensar da mesma forma, mas já acrescentaria ter ficado algo desiludido com algumas altitudes e declarações públicas de Rui Costa.A primeira decisão é fácil de explicar. Primeiro, Rui Costa sempre foi um profissional a cem por cento e um apaixonado pelo futebol e por tudo o que o rodeia. Lembro-me de o ver discutir futebol já com imenso conhecimento num Europeu na Hungria, quando tinha apenas 18 anos e ainda nem era titular na selecção jovem treinada por Carlos Queiroz - só se impôs definitivamente quando o esquerdino Paulo Pilar partiu uma perna, pouco antes do Mundial de Sub-20 em Lisboa, acabando o então sportinguista por se perder nos escalões secundários enquanto Rui Costa terminaria o empréstimo no Fafe para vingar na Luz e, pouco depois, partir para Florença. Ainda pouco mais do que adolescente, Rui sabia tudo e mais alguma coisa sobre o adversário que ia defrontar. Que táctica utilizava, os pontos fracos e o nome dos seus melhores jogadores. Na mesma altura, Figo não sabia dizer sequer quem era o defesa contrário que o ia marcar e, por vezes, nem a cor do seu equipamento. Eram e continuam a ser grandes amigos, mas sempre encararam o futebol de forma diferente: uma profissão, para Figo, uma paixão, para Rui Costa.
Segundo, porque Rui tem uma experiência rara na alta competição. É um privilegiado não só pelos anos vividos em Itália, mas também por ter assimilado a cultura do AC Milan, das melhores escolas do dirigismo europeu. Os títulos conquistados tornam-no ainda mais respeitável aos olhos daqueles com quem terá de conviver e, até certo ponto, dirigir no futuro.
Terceiro, porque sempre mostrou uma dimensão humana que pode ser uma mais-valia a quem tem de ajudar a gerir os humores do balneário. E não é despicienda a sua situação financeira confortável, não havendo qualquer risco de cair em tentações, como acontece a certos directores desportivos. E não me refiro só à realidade nacional, porque é uma maleita que, infelizmente, se verifica um pouco por todo o mundo.
Por último, ninguém pode duvidar do benfiquismo de Rui Costa. Também aí não tem lições a receber de ninguém.
Assumida a admiração antiga, passemos ao porquê da desilusão recente. De facto, o primeiro momento até aconteceu em 2004, quando Rui Costa anunciou, na véspera da final com a Grécia, que iria ser o seu último jogo pela selecção. Fazê-lo naquele momento, e sem antes avisar quem quer que fosse, pareceu-me um acto egoísta, que me surpreendeu vendo de quem vinha. Mas, pensei então, um mau dia todos têm e não deve ter sido fácil lidar com a situação.
Mas os sinais negativos acumularam-se nos últimos tempos. Não alinhamos na acusação de que ele, devido ao seu estatuto, podia ter tido um papel mais profiláctico aquando do incidente entre Katsouranis e o capitão Luisão. Estava longe no relvado para não poder intervir a tempo e, mesmo que assim não fosse, nunca seria fácil atenuar o que as câmaras da TV mostraram. Mas já parece menos plausível que Rui Costa deixe transparecer irritação só porque o jogo (com o Estrela da Amadora) não estava a correr bem e Camacho optou por substituí-lo ao intervalo. Nunca seria uma atitude aceitável, mais a mais vinda de um jogador experiente, antes um mau exemplo para os colegas que olham para ele como um modelo a seguir. Mais a mais porque, dentro de seis meses, Rui já deverá estar numa posição em que terá precisamente de fazer com que casos idênticos não se verifiquem.
O segundo caso aconteceu quando não se limitou a fazer a fazer a defesa do presidente Vieira, aconselhando José Veiga a não cuspir no prato em que comeu. Não o devia ter feito por uma questão de elevação e por estar a intervir numa área e numa matéria que não dizem respeito aos jogadores.
Terá sido por ter esquecido as limitações do seu actual estatuto (de jogador) e por querer actuar já no âmbito daquele em será futuramente integrado (director desportivo) que Rui Costa se continuou a precipitar. De facto, nas negociações para a contratação de Makukula, que poderá confirmar-se a breve ou a médio prazo, Rui Costa terá tido uma intervenção excessiva e contraproducente. Tê-lo-á feito com a melhor das intenções, mas sem avaliar devidamente os anticorpos que isso pode provocar. Nuno Gomes e Cardozo terão gostado de saber, por exemplo, que lhes estão a aumentar a concorrência? Mais difícil de acreditar é a notícia de que Rui Costa terá também actuado no sentido de garantir que um seu antigo treinador na Fiorentina (Alberto Malesani) venha para o Benfica na próxima época. Até porque isso não joga com a vontade de ajudar na aquisição dos reforços verdadeiramente pretendidos por Camacho, que já deixou claro que nem conhece, por exemplo, o jovem central argelino Halliche. Mas isso é bem capaz de ter surgido em resultado do papel duplo em que caiu Rui Costa.
O inglês Herbert Chapman, que inovou tacticamente e ajudou como ninguém à profissionalização da modalidade, disse um dia que "o futebol é um assunto demasiado importante para ser um hobby dos directores". Alguém devia oferecer a sua biografia a Rui Costa - que, reforço, tem todas as condições para se tornar num grande e verdadeiro director desportivo, ao contrário de outras subespécies que por aí pululam. bprata@publico.pt