"Terra preta" segura carbono e produz energia
Um carvão feito a partir
de biomassa, chamado biochar, permite capturar carbono, fertilizar as terras
e, no seu fabrico, ainda se gera energia limpa
a Produzir energia e ao mesmo tempo sequestrar carbono e tornar a terra mais fértil afigura-se um sonho de alquimista. Mas uma técnica para produzir um tipo de carvão vegetal, através da queima de biomassa, conhecida dos índios da Amazónia há milhares de anos, parece conseguir matar todos estes coelhos numa cajadada só. E já há um projecto para o introduzir em Portugal.Num mundo em que o petróleo ocupa o lugar cimeiro como fonte energética e em que o carvão está a ser cada vez mais utilizado, sobretudo nas economias emergentes, o sequestro de carbono é visto como uma das possíveis vias de fuga. Mas as técnicas de captura e enterro de carbono, embora estejam a receber muito apoio por parte de vários países industrializados, não estarão disponíveis no curto prazo. Daí estar a ser dada cada vez mais ênfase ao papel desempenhado pelas florestas e pelo solo no sequestro de carbono, por via da fotossíntese. Mas este desempenho, embora importante, tem dois problemas. O primeiro diz respeito à contabilidade do carbono retido, que não é fácil. O segundo prende-se com o facto de este efeito se neutralizar ao fim de alguns anos ou de haver alterações no uso do solo ou incêndios.
Daí a importância da descoberta - ou redescoberta - da "terra preta". Em muitas escavações arqueológicas, detectava-se solo mais escuro, muito fértil, que se pensava ser fruto de incêndios. Na Amazónia, foram descobertas grandes extensões de "terra preta", na camada superficial do solo, perto de comunidades índias, com produtividades agrícolas elevadas.
Em 2004, um investigador da Universidade de Cornell, Johannes Lehmann, estudou solos agrícolas de civilizações anteriores, apercebendo-se do imenso potencial que esta "terra preta" tinha como sequestrador de carbono, ao mesmo tempo que fertilizava solos ameaçados pela desertificação.
Desta investigação nasceu o biochar - ou agrichar. Este produto resulta da "transformação da biomassa (madeira, plantas, resíduos vegetais) em carvão por um processo de combustão - a pirólise".
A produção de biochar exige a queima a temperaturas superiores a 400 graus. A pirólise, sem oxigénio, permite reter 20 a 50 por cento do carbono presente nestes materiais. Ao ser colocado no solo, esse carbono mantém-se sequestrado durante milhares de anos, permitindo ao mesmo tempo uma maior fertilidade para as plantas, o que potencia a fotossíntese e daí um acréscimo de captura de carbono. Além disso, o seu fabrico torna possível aproveitar os gases para produzir calor, electricidade ou mesmo biocombustíveis. Uma empresa americana, a Dinamotiv, está a produzir bio-óleo através desta técnica.
Segundo Lehmann, num artigo recente publicado na revista Nature, o sequestro de carbono e a produção de bioenergia através do biochar serão economicamente viáveis, quando o carbono atingir os 37 dólares por tonelada (25 euros). Nos últimos dias, este valor tem rondados os 23 euros. E o primeiro ano de cumprimento do Protocolo de Quioto já começou, pelo que os 37 dólares estão ao virar da esquina.