A Mona Lisa tem mesmo o sorriso de Lisa del Giocondo
O mistério está desvendado, dizem cientistas alemães: a modelo da obra-prima de Leonardo da Vinci foi mesmo a mulher do mercador Giocondo. O sorriso é que continua a permanecer um enigma
a Pronto. Está definitivamente resolvido o mistério. Não o do sorriso, que esse continuará enigmático e aberto às mais diversas leituras e celebrações. Mas o da identidade: a Mona Lisa, retratada por Leonardo da Vinci em 1503, é mesmo a Gioconda, ou seja, Elisa Gherardini del Giocondo, mulher do rico mercador florentino Francesco del Giocondo.O testemunho desta identidade, de que se "suspeitava" desde que o italiano Giorgio Vasari, primeiro biógrafo do pintor, o tinha afirmado em 1550, estava arrumado nas prateleiras da biblioteca da Universidade de Heidelberg, na Alemanha. Foi aí que Armin Schlechter, um especialista em manuscritos, o foi encontrar, há já dois anos, quando decifrou umas anotações feitas nas páginas de um livro sobre o escritor e orador romano Cícero.
"Todas as dúvidas acerca da identidade da Mona Lisa foram eliminadas pela descoberta de Armin Schlechter", escreve a Reuters, citando um comunicado daquela Universidade, divulgado na segunda-feira. E explica que as referidas notas, feitas pela mão de Agostino Vespucci, um funcionário da câmara de Florença e figura próxima de Leonardo, não só comparam o pintor com o artista grego Apeles (século IV a.C.) como documentam o trabalho que ele tinha em mãos nesse mês de Outubro de 1503 (esta data já tinha sido confirmada por outros investigadores do quadro): estava a fazer três pinturas ao mesmo tempo, uma das quais era precisamente o retrato de Lisa del Giocondo.
Até agora, recorda o comunicado subscrito pelo director da biblioteca da Universidade de Heidelberg, havia as teorias de Vasari, que, no entanto, "deixavam espaço para múltiplas interpretações" e faziam com que muitas outras identidades fossem sendo avançadas. Houve quem defendesse que a modelo do mestre da Renascença teria sido uma sua amante, a sua mãe ou mesmo o próprio artista. Agora, os responsáveis da Universidade de Heidelberg estão convencidos de que as dúvidas terminaram, e apresentam a descoberta de Schlechter como "um passo em frente" na investigação, para além de que se torna a mais antiga prova sobre a identidade da Mona (diminutivo de madona) Lisa como a mulher de Del Giocondo.
"Não há, a partir de agora, nenhuma razão para que permaneçam dúvidas, e de que possa tratar-se de qualquer outra mulher", disse também a uma rádio alemã Frank Zoellner, um historiador de arte da Universidade de Leipzig, expressando o consenso que parece estar a alargar-se à comunidade científica e de investigadores da história da arte.
A historiadora de arte Dalila Rodrigues, ex-directora do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), confirma que, "no plano historiográfico, a identidade do retrato não constituía já qualquer mistério", adiantando que é um dado desde há muito assumido que a modelo de Leonardo foi Lisa Gherardini.
O quadro mais famoso
A Mona Lisa ou Gioconda (nome que, para além de identificar o apelido de família, significa também "alegre") é a obra mais conhecida de Leonardo, que a terá pintado entre 1503 e 1506. Pertence ao Estado francês desde o século XVI, e é a principal atracção do Museu do Louvre, em Paris, onde está exposta sob rigorosas medidas de segurança, principalmente depois do roubo de que foi alvo em 1911.
Também é muitas vezes apresentado como o quadro mais famoso do mundo, em razão tanto da sua beleza como dos enigmas que encerra e das paixões que suscita.
Paralelamente às investigações sobre a identidade do modelo, têm-se sucedido outras sobre a razão do seu sorriso. Entre 2004 e 2006, quase meia centena de cientistas franceses e canadianos, ligados ao National Research Council do Canadá, e chefiados por François Blais, aplicaram as mais avançadas tecnologias na pesquisa dos segredos da técnica usada por Leonardo, o famoso sfumato, que, explica Dalila Rodrigues, é "uma técnica de representação de formas que, ao olhar do observador, surgem como que veladas ou filtradas por uma atmosfera diáfana, e que se traduz numa grande conquista na capacidade de representação do volume, contribuindo para acentuar o mistério dessa imagem icónica".
A biografia
Mas continua a prevalecer o enigma do sorriso. Para este, foi avançada a teoria de que Lisa ou estaria grávida ou teria acabado de ser mãe. A ser assim, Elisa del Giocondo poderia ter acabado de ter o terceiro dos cinco filhos do mercador Francesco. As investigações sobre a identidade da Gioconda vão ao pormenor da fixação da sua biografia: terá nascido em Maio de 1479 e morrido a 15 de Julho de 1542, tendo sido sepultada no convento de Santa Úrsula, no centro de Florença, segundo estudos realizados pelo investigador italiano Giuseppe Pallanti.
A ex-directora do MNAA realça, contudo, que "há muito que a Gioconda deixou de ser apenas uma obra de arte, passando a ser também, e sobretudo, um ícone do sucesso e da mediatização da arte, da sua dimensão planetária, e até da sua relação com os valores do populismo e do espectáculo que mais recentemente a invadem".
Ou seja, por muito que se descodifique o gesto técnico de Leonardo, e se avance na confirmação da identidade da sua modelo, a Gioconda continuará a ser mais do que um quadro.
Ficará sempre o mistério de um sorriso enigmático.