"Os árabes deixaram de apoiar uma aliança anti-Irão apoiada pelos EUA"
Perito em Médio Oriente no Council on Foreign Relations, Vali R. Nasr falou ao PÚBLICO por e-mail
O que poderemos esperar da visita do Presidente George W. Bush ao Médio Oriente?A Administração Bush necessita desesperadamente de resultados positivos no Médio Oriente para ter um legado positivo. Investiu na reunião de Annapolis e agora tem de continuar em frente. Mas a viagem não vai alterar factos importantes no terreno - o impasse no Iraque, o desafio nuclear iraniano, a quase guerra civil no Líbano, o facto de israelitas e palestinianos estarem afastados em muitas questões e de Olmert e Abbas serem demasiado fracos para assumirem compromissos cruciais. A viagem dará manchetes aos jornais, mas não fará diferença.
O que pode Bush oferecer para obter concessões significativas de Olmert e Abbas?
Apesar do entusiasmo, Israel e a Autoridade Palestiniana não estão próximos de um acordo. Os seus líderes são muito fracos e, depois de anos sem diálogo, têm muito caminho a percorrer. Nenhuma das partes acredita que a Administração Bush seja capaz de apoiar um acordo. Esta Administração nunca teve êxito no Médio Oriente. Além disso, o problema do Hamas [que governa sozinho a Faixa de Gaza] é mais grave do que se admite. Uma guerra civil palestiniana e a disputa pela autoridade legítima não são a base necessária a negociações de paz.
Documentos divulgados pelo diário israelita Ha"aretz indicam que nas cimeiras de Camp David e Taba, em 2000, durante a presidência de Bill Clinton, palestinianos e israelitas conseguiram progredir em questões como colonatos e refugiados. Poderão recomeçar no ponto onde pararam?
Não podem simplesmente pegar onde ficaram, porque exigiria um acordo de ambas as partes, e isso tornou-se difícil com o muito que mudou no terreno. Um compromisso requer um planeamento detalhado e uma diplomacia paciente que, de momento, não existem.
Bush insiste na "possibilidade real" de criar um Estado palestiniano até ao final de 2008. Como e que tipo de Estado será?
Declarar a intenção de criar um Estado palestiniano não é o mesmo que planear eficazmente um roteiro para lá chegar ou aceitar uma diplomacia paciente necessária para que isso aconteça. As divisões entre os palestinianos e a fraqueza do Governo israelita tornam improvável que compromissos importantes sejam feitos, e que um acordo possa sobreviver ao desafio do Hamas e da direita israelita.
No primeiro mandato, Bush deu grande ênfase à promoção da democracia no Médio Oriente, mas agora parece que reformas prejudicam os interesses americanos na região. É o regresso à política de ignorar a necessidade de mudanças?
Os EUA regressaram à velha política. Em casos como o Paquistão, nunca promoveram a democracia. Aceitaram a ditadura de Musharraf na esperança de vencerem a guerra contra o terrorismo, e mesmo depois de Musharraf ter declarado guerra à democracia, Washington continuou a apoiá-lo. Também no mundo árabe, os EUA deixaram de pressionar as ditaduras árabes para que seguissem a via da democracia. Na Turquia, se floresceu uma democracia, isso tem mais a ver com factores sociais e económicos do que com a política americana.
Um dos objectivos da visita de Bush será minorar receios dos líderes árabes face ao Irão, em particular desde que a National Intelligence Estimate (NIE) afirmou que o Irão suspendeu o seu programa nuclear militar em 2003. Que garantias pode o visitante dar?
O mundo árabe está nervoso com o Irão, mas também está preocupado com o facto de os EUA não terem uma política credível em relação ao Irão. A NIE sugere que há caos em Washington. A Administração Bush seguiu uma política que não tem o apoio dos serviços secretos, e foi publicamente embaraçada pelas suas agências de espionagem quando isto se tornou do domínio público. Os árabes deixaram de apoiar uma aliança anti-iraniana apoiada pelos EUA. O Conselho de Cooperação do Golfo convidou o Presidente iraniano para a sua reunião, e o Egipto está a explorar a possibilidade de laços formais com o Irão [congelados há 28 anos]. O mundo árabe concluiu que não confia nos EUA quando se trata de lidar com o Irão. O Presidente vai ao Médio Oriente numa altura em que os árabes já enveredaram por uma política diferente e têm uma agenda própria para o Irão.