Espírito crítico e irreverência de Luiz Pacheco elogiados

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Luísa Ferreira/PÚBLICO (arquivo)

A morte do escritor e crítico literário Luiz Pacheco está a suscitar reacções de consternação e elogio à irreverência e ousadia da sua obra literária. Aos 82 anos, faleceu ontem à noite, tendo dado entrada já sem vida no Hospital do Montijo.

“Sempre admirei muito em Luiz Pacheco, o seu espírito de irreverência, a liberdade crítica, a capacidade de destruir corrosivamente as convenções, quase sempre mortas já”, disse ainda Vítor Aguiar e Silva.

Era “um espírito que, naquela atmosfera passiva, adormecida, dos anos 50, 60 e ainda 70, trouxe, por vezes com excessos de linguagem, uma lufada de ar novo. Era dos espíritos mais irreverentes deste país”, acrescentou.

Sobre o facto de a obra do falecido escritor ser fragmentada, observou que ele “tinha de ganhar dinheiro aqui e ali – e, porventura, porque a censura não lhe permitiria escrever essa grande obra satírica. Ele é, no fundo, um grande satirista”.

Fusão da literatura com a vida

O professor universitário e ensaísta Manuel Gusmão também lamentou a morte de Luiz Pacheco, considerando a sua obra “escassa, mas bastante interessante”, com destaque para “Comunidade” e “O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor”.

Luiz Pacheco praticou “uma fusão entre a literatura e a vida, o que significa uma espécie de projecto de linhagem romântica, mas de cariz surrealista”, considera Manuel Gusmão, para quem tudo que “tudo o que [o escritor] fez foi marcado, entretanto, por um riso ao mesmo tempo satírico, irónico e auto-irónico”.

Por seu lado, Vítor Silva Tavares, editor que acompanhou durante mais de 40 anos o percurso de vida e literário de Pacheco, realçou o “fulgor anímico, estilístico e estético que marcam o grande escritor que é”.

Silva Tavares foi, então na Ulisseia, o primeiro a editar em livro textos de Pacheco, “Crítica de Circunstância”, que reunia “os estilhaços que estavam dispersos em papelinhos, opúsculos só conhecidos de meia dúzia de pessoas que o admiravam”. E recordou: “Esse livrinho foi de imediato apreendido pela PIDE, o que marca o poder interventivo de Pacheco. Era tudo menos um livro inofensivo”.

Ria-se da morte

O escritor Pedro Paixão, que dedicou um livro a Luiz Pacheco, chama-lhe “mestre querido”, cuja “inteligência era um raio nas trevas deste país adormecido”. Pedro Paixão, que num comentário deixado no site do PÚBLICO, diz ainda que Pacheco se “ria da morte”.

Rui Zink disse, por sua vez, que iorá recordar Luiz Pacheco como "um dos escritores mais importantes do século XX português, um dos grandes estilistas da literatura portuguesa". "Ele é o nosso Jorge Luís Borges, porque, não tendo nada a ver, à partida, com o escritor argentino, escrevendo também sempre textos curtos, escrevendo prosa normalmente com não mais de cinco páginas, dez páginas, marcou as nossas letras", sustentou o escritor.

Leitor de Pacheco desde os "14 ou 15 anos", Zink confessa ter ficado logo então "espantado com o quase-jazz daqueles textos, textos sem fio condutor, com uma espécie de preguiça livre, textos que davam a impressao de serem escritos num jacto". "Não conheço autor português que tenha usado tão bem a informação não partilhada como factor de prazer do leitor", acrescentou.

Luiz Pacheco publicou dezenas de artigos em vários jornais e revistas, incluindo o antigo “Diário Popular” e a “Seara Nova”, e acabou por fundar a editora Contraponto em 1950, onde publicou obras de escritores como Raul Leal, Mário Cesariny, Natália Correia, António Maria Lisboa, Herberto Hélder e Vergílio Ferreira.

Com uma vida atribulada, por vezes sem meios de subsistência para sustentar a família, Luiz Pacheco chegou a viver situações de miséria que ia ultrapassando à custa de esmolas e donativos, hospedando-se em quartos alugados e albergues. Foi nesse período difícil da sua vida que se terá inspirado para escrever o conto “Comunidade” (1964), que muitos consideram ser a sua obra-prima.