Não pretendo discutir teologia, só me interessa discutir se Deus existe
O britânico Richard Dawkins nunca deixa ninguém indiferente. Como biólogo evolucionista, as suas teses fizeram furor. Como ateu militante, escreveu um dos best-sellers mais discutidos de 2007
a Não é propriamente uma figura muito simpática, apesar de ser o cientista que mais livros de divulgação vende. Darwinista empedernido, co-fundador da sociobiologia, nas suas últimas obras começara a abordar o tema das relações entre a ciência e a religião. Com A Desilusão de Deus deu o salto para um terreno onde os teólogos e os filósofos costumam estar mais à vontade do que os biólogos. Falou ao P2 pelo telefone, numa conversa limitada a apenas 20 minutos em nunca se quis afastar do ponto central do seu livro: discutir se Deus existe ou não. Mas acabou por admitir que abordar a religião apenas por esta perspectiva pode ser redutor.
No seu livro...
Se é para conhecer a minha argumentação sobre Deus, o melhor é citar o livro.
No livro não vêm as suas respostas às críticas de que ele foi alvo, em especial as feitas noutro livro, The Dawkins Delusion, que o acusa de não saber o mínimo sobre religião para poder falar de religião. Acusam-no de tomar à letra a Bíblia, o que hoje só os fundamentalistas fazem, sem perceber que, para a maioria dos cristãos, há muitas passagens que são lidas apenas como parábolas. É verdade?
No meu livro não pretendo discutir teologia; quero sim discutir se existe ou não Deus. Esse é que é o ponto. A teologia pode ter desenvolvido muitos argumentos para interpretar a Bíblia, mas isso não me interessa. O que me interessa é demonstrar que os que acreditam em Deus não só não podem provar que este existe, como essa crença tem, em si mesma, consequências negativas.
Se, como escreveu no seu livro, não é possível provar cientificamente a existência de Deus, os seus críticos respondem-lhe que também não consegue provar que Deus não existe.
Mas que Deus?
Não necessariamente o mesmo Deus. O que defendem é que é possível vivermos com as diferentes crenças.
Isso é ridículo. Os gregos ou os romanos acreditavam numa imensidade de deuses e hoje já ninguém acredita nessas divindades. Provou-se que não existiam.
Mas os que o criticam não querem provar que este ou aquele deus existe, defendem é que se devem respeitar as crenças e não consideram que praticar uma religião seja necessariamente uma coisa má.
Esse também não é o meu ponto de partida. O meu ponto de partida, repito, é que não é possível provar que Deus existe, que até hoje ninguém conseguiu propor uma metodologia capaz de permitir que o descobríssemos. Para mim seria uma perda de tempo, por exemplo, tentar provar que não existem fadas, porque as fadas não existem. Mais: não consigo encontrar uma situação em que sinta que existir Deus é necessário.
Pode-se concordar facilmente que as fadas são uma superstição, mas o que muitos defendem, mesmo os críticos dos fundamentalismos, é que ter fé num Deus pode por vezes ser importante. Recordo-lhe, por exemplo, um artigo recente de Ian Buruma em que este defendia que era difícil explicar a coragem dos monges budistas da Birmânia sem perceber que há momentos em que a religião pode ser uma enorme força interior para pessoas que enfrentam situações muito difíceis.
Isso é verdade e não o contesto. Em momentos como os que se viveram na Birmânia pode acontecer que a religião forneça o suplemento de força e coragem que são necessárias. Contudo, o facto de existirem pessoas com fé não prova que existe Deus.
Não prova, mas ajuda a perceber por que muitos pensam que é necessária que exista. Mesmo um não crente pode perceber que ter fé ajuda muitas pessoas em momentos complexos.
Também não contesto que isso suceda. Acreditar num Deus pode ajudar as pessoas a sentirem-se melhor com a vida. Todavia, o contrário também pode acontecer e o meu argumento não é sobre ter ou não fé, é sobre Deus existir ou não.
No seu livro refere uma luta judicial nos Estados Unidos sobre se um adolescente podia ou não usar uma T-shirt onde se declarava contra o aborto e a homossexualidade. Por que foi buscar esse exemplo para discutir Deus? O que está a discutir é a forma como se invoca Deus...
A razão por que citei esse caso foi porque ele chegou aos tribunais não como uma expressão da liberdade de opinião, o que para mim seria legítimo, mas como uma expressão da liberdade de religião. Ora, existe a convicção de que podemos discutir opiniões, mas não podemos discutir religiões. Ao invocarem a religião, o que os pais desse adolescente pretenderam foi evitar a discussão, colocando-a no domínio do sagrado. O que contesto é o facto de a religião servir demasiadas vezes para alguém se desligar da realidade, de ser uma excelente desculpa para não se pensar e não se argumentar.
Escreve, quando outros autores, como Daniel C. Dennett, Sam Harris ou Christopher Hitchens, também lançaram obras contra o que consideram serem os males da religião e da fé num Deus. Esses autores têm vindo a ser apresentados como representantes de um "novo-novo ateísmo". Identifica-se com eles?
Tenho imenso gosto em poder dizer que alguns são meus amigos, mas a verdade é que não nos reunimos para planear estes livros.
Falo-lhe neles, porque nenhum é cientista como o senhor e nos seus livros não se discute se Deus existe, defende-se é que as religiões são um mal em si mesmo.
Não é o caso do meu livro, o que não quer dizer que não reconheça que essas duas obras também apresentam excelentes argumentos.
Pode viver bem num mundo em que muitos acreditam na existência de um Deus?
Posso, e relativamente às religiões considero-me agnóstico. O que critico são aqueles que se declaram agnósticos, porque dizem que não sabem se Deus existe ou não. Para mim, Deus não existe.
Quando lançou o primeiro livro que o tornou conhecido, O Gene Egoísta, foi criticado por pretender reduzir os mecanismos da evolução das espécies a uma só dimensão. Não acha que agora, ao querer discutir apenas se Deus existe ou não, está a incorrer no mesmo erro?
Talvez, essa é uma boa questão. Para mim essa é a questão mais importante, mas reconheço que existem outras dimensões deste problema que não discuto, designadamente a relação das religiões com as civilizações.
Ora, se olharmos para essas religiões, para as grandes religiões, mesmo as que não são "do Livro" (judaísmo, cristianismo e islamismo), verificamos que o tipo de mandamentos morais que incorporam são muito semelhantes. Desde o estudo de Weber sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo que se discute a importância, para uma sociedade, dos seus fundamentos morais e éticos e da sua relação com as religiões. Numa sociedade sem religião, quem poderia ocupar esse lugar? O Estado?
A academia, as universidades, os cientistas, os filósofos? Para além de que temos de pensar por nós mesmos. Por outro lado, vivemos em democracias onde existe o império da lei, onde essas leis são escritas por deputados que representam os eleitores e têm obrigação de pensar pelas suas cabeças. A sua obrigação é, quando discutem um tema concreto, terem como referência a filosofia moral e a filosofia legal que constituem as marcas identificadoras das sociedades que representam.