Donos dos estúdios desesperados com a greve

Já quase não sobram novos argumentos nas gavetas e as grandes televisões generalistas temem a deserção dos telespectadores

a A greve dos argumentistas norte-americanos já ultrapassou os 40 dias de duração e vai entrar na sétima semana de protestos. Os mais conhecidos talk-shows dos EUA, alguns dos quais exibidos em Portugal, estão parados e nos televisores só passam repetições. As séries de longa duração das grandes cadeias televisivas estão a ficar sem episódios de reserva para mostrar aos espectadores. Teme-se que as audiências migrem para o cabo, onde há algumas séries com temporadas inteiras já gravadas, e que não voltem aos canais generalistas.Isso já aconteceu em 1988, na última greve dos Writers Guild of America (WGA), que representa argumentistas do cinema, televisão e rádio. Durou 22 semanas e custou 342 milhões de euros ao sector. Cerca de dez por cento dos espectadores abandonaram as televisões há quase 20 anos e, segundo os grandes canais, nunca mais voltaram.
A estimativa da Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP), a interlocutora do WGA, é que até dia 12 de Dezembro, esta greve, iniciada a 5 de Novembro, já custou aos próprios argumentistas 71 milhões de euros em rendimentos.
Vêm aí os realizadores?
E agora, como que para complicar mais a situação nos bastidores do entretenimento dos EUA, além do impasse em que se encontram as negociações (ver texto ao lado), aproxima-se o fim do contrato colectivo do Directors Guild of America, que representa os realizadores. Estes podem entrar em negociações dentro de dias com os estúdios de Hollywood e as suas exigências podem não ir ao encontro das dos argumentistas, além de dispersarem a atenção dos produtores.
A paragem dos argumentistas faz-se sentir sobretudo na televisão, ainda mais nas quatro grandes cadeias generalistas, a ABC, a NBC, a CBS e a Fox. No final de 2006, os estúdios de Hollywood começaram a acelerar a produção de vários filmes, como noticiava na altura a revista Variety, para garantir à indústria cinematográfica a travessia de um período de greve.
Já na televisão, os episódios escritos antes da greve estão a chegar ao fim. Donas de Casa Desesperadas encerrou a produção e a ABC mostrou o último episódio no dia 2. Já só há um episódio gravado de Anatomia de Grey (ABC), restam apenas dois ou três das três séries de CSI (CBS), a equipa de Sem Rasto (CBS) também parou a produção e só há três episódios novos de Betty Feia (ABC). As estreias de novas séries como Cashmere Mafia (ABC) foram adiadas, apesar de já terem episódios gravados, a produção de outras, como Heroes: Origins (um derivado de Heróis), foi suspensa, e mesmo títulos como 24 (Fox), cuja sétima temporada estreava em Janeiro, foram congelados pela incerteza dos prazos da paralisação.
"Os grandes emissores já estão a mostrar sinais de fragilidade à medida que se verifica a ausência dos grandes êxitos de argumento", escreveu esta semana Brian Lowry, colunista da Variety.
Apresentadores pagam
No caso dos talk-shows, as vítimas imediatas da greve - os canais generalistas e de cabo, como a Comedy Central (Daily Show) estão a passar reposições -, a greve põe em causa salários e empregos dos restantes trabalhadores. E são os apresentadores, eles próprios membros do WGA, que estão a pagar os ordenados. Parte dos funcionários do Tonight Show de Jay Leno (NBC) foram dispensados no início deste mês, mas Leno vai pagar-lhes do seu bolso até ao Natal. Conan O"Brien (NBC) e David Letterman (ABC) estão a fazer o mesmo.
O protesto dos argumentistas está também a reflectir-se na produção e programação a médio prazo. Segundo o New York Times, algumas séries começaram a ser filmadas mais cedo, os episódios-piloto de novos produtos para o Outono de 2008 também foram feitos mais cedo e os canais encomendaram mais reality-shows, porque estes não empregam argumentistas representados pelo WGA. A midseason, o período entre Janeiro e Abril que tradicionalmente apresenta séries substitutas para intervalar com os grandes sucessos ou que ocupam os horários de apostas que falharam, vai em 2008 ter programas de peso como a quarta temporada de Perdidos e, possivelmente, episódios das séries que arrancaram neste Outono e que entrarão em hiato devido à greve.
Entretanto, os generalistas admitem recorrer aos conteúdos das suas subsidiárias do cabo, como é o caso da CBS, que admite aproveitar a série Dexter, da Showtime, se a sua programação ficar esvaziada pela greve. Nesta lógica, não só o cabo se torna uma alternativa para o espectador, como ganha pelo reaproveitamento dos seus conteúdos.
Num encontro com jornalistas no final de Novembro, o comediante Jerry Seinfeld disse ao PÚBLICO que acredita que a situação "há-de resolver-se". "É como fazer um negócio com um carro usado. Quando chegamos ao preço que faz toda a gente infeliz, é porque conseguimos um bom negócio".
Para Jerry Seinfeld, a crise aberta por esta greve "é como fazer negócio com um carro usado" e vai-se resolver
A épocas das cerimónias de entrega de prémios do cinema está à porta e os produtores dos espectáculos já se preparam para a eventualidade de os actores, que têm mostrado a sua solidariedade com os argumentistas, não aparecerem. A escalada do conflito entre os argumentistas e os estúdios está a ser observada com nervosismo pelos organizadores dos Óscares e dos Globos de Ouro, que precisam dos argumentistas para escrever os monólogos das cerimónias. Por outro lado, a WGA, que representa os argumentistas, admite colocar piquetes de greve à porta das salas onde decorrerão esses eventos. "Nunca atravessarei um piquete de greve", disse categoricamente à AFP a actriz Glenn Close. O realizador David Cronenberg, nomeado para os Globos, declarou à Variety que lhe será "muito difícil atravessar um piquete" da WGA, organização da qual é membro. "Toda a gente vai ter esse problema", afirmou. A Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, que organiza os Globos, pediu aos argumentistas uma derrogação da greve, a 13 de Janeiro, o dia da cerimónia. Quanto aos Óscares, o apresentador escolhido é Jon Stewart, que não está a fazer o seu programa e é também membro da WGA. J. A.C..com AFP
Argumentistas querem receber direitos por conteúdos originais criados para telefones móveis ou para
a Internet
a Lucros residuais da venda de DVD, pagamento por conteúdos colocados ou vendidos na Internet, direitos sobre conteúdos criados para telemóveis. Mas também desenhos animados e reality-shows. Estas são as questões que opõem argumentistas e produtores há mais de um mês, sem que haja uma solução à vista.
Os sindicatos negoceiam, a cada três anos, os seus contratos colectivos com a Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP). O contrato em vigor expirou a 31 de Outubro e a 5 de Novembro começava a greve.
No que toca ao mercado de DVD, o acordo agora existente remonta à era do vídeo e do VHS, tendo sido negociado em 1988. Os argumentistas recebem apenas entre 4 e 5 cêntimos por cada exemplar vendido e no início da greve queriam pelo menos duplicar esse número, sabendo que os estúdios e produtores lucram hoje mais com o mercado de home video do que com as bilheteiras ou a exibição na televisão.
Agora, os produtores argumentam que os lucros do mercado DVD são necessários para equilibrar os gastos de marketing e da própria produção. Na véspera do início da greve, a Writers Guild of America (WGA, que representa os argumentistas) retirou a proposta relativa ao DVD para facilitar uma cedência da AMPTP, que não aconteceu.
Além do DVD, os argumentistas consideram que devem receber o seu quinhão por cada conteúdo colocado on-line pelos estúdios ou canais de televisão, seja para pequenos visionamentos, streaming ou venda em lojas como a do iTunes.
Também almejam ser pagos pela criação de conteúdos específicos para a Internet e telemóveis, desejos que até agora foram rejeitados pelos produtores.
As outras exigências dos sindicatos que mais sobressaem estarão, neste momento, a travar o avanço das negociações. Desde dia 7, data da última reunião, que nada avança porque, diz a AMPTP, os sindicatos querem passar a poder negociar também em nome de quem escreve para reality-shows e para animação (há um diferendo sobre o estatuto destes autores e a greve afecta apenas as séries de animação Os Simpsons, Family Guy, King of the Hill e American Dad, todas em exibição em Portugal), entre outras questões. A AMPTP diz que só volta à mesa de negociações se essas propostas forem retiradas pelo WGA. J.A.C.

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