Morreu Ike Turner, o pai do rock"n"roll
Foi um ícone dos blues e pioneiro no rock. Atingiu a fama (e o declínio) ao lado (e depois) de Tina Turner. Conseguiu recuperar e ganhar um Grammy
a Tina Turner mandou dizer, em comunicado, que há 35 anos que não falava com ele. Mas ele continuou a viver e, apesar de tudo, a ser conhecido pela parceria com a intérprete de A fool in love, que começou por ser criativa e afectiva, mas acabou nos tribunais. Ele é Ike Turner, o músico norte-americano que muitos consideram um dos pioneiros do rock"n"roll (foi o autor, em 1951, da canção que alguns historiadores dizem ter lançado o movimento que haveria de mudar o rumo da música pop, Rocket 88). Morreu na quarta-feira, tranquilamente, aos 76 anos, na sua casa em São Marcos, Califórnia, segundo o seu agente.No seu site, a família pede aos admiradores de Ike que em vez de gastarem dinheiro em flores façam donativos às escolas de música.
Já o comunicado distribuído pela porta-voz de Tina Turner era lacónico na constatação de que Ike Turner tinha morrido, e de que a cantora estava "ao corrente" da situação. Ele que tinha vivido os últimos anos a tentar libertar-se da sombra da mulher a quem começara por fazer sol, na década de 1960, e depois sombra, a partir da década seguinte, até à tumultuosa separação em 1976, e ao divórcio, dois anos depois. Já este ano, Ike Turner tinha sido distinguido em Los Angeles com o Grammy de melhor álbum de blues tradicionais, por Risin with the Blues - foi uma quase desforra perante a sua ex-companheira, com quem tinha conquistado um primeiro Grammy (Proud Mary, 1972)
Mas falemos só de Ike Turner, cuja morte motivou este simples comentário de Chuck Berry, cúmplice de tantos palcos dos blues e do rock, citado pela BBC: "O que é que podemos dizer, a não ser lamentar a perda de um companheiro..."
Em Portugal, o bluesman Paulo Furtado (aka Legendary Tigerman) lembra a importância de Ike Turner "como compositor", que foi, tanto a solo como no duo com Tina, "uma inspiração para várias gerações de músicos dos blues e do rock". Pondo de parte a polémica relação de Ike com Tina, Furtado realça a pose discreta do primeiro, o que pode ser confirmado quando vemos gravações (no Youtube) das suas actuações ao vivo ou em estúdio, com o guitarrista sempre remetido ao lugar de "acompanhante" da poderosa voz da cantora de River deep, mountain high.
Por tudo isto, Paulo Furtado põe Ike Turner no panteão do rock. O nome dele está já, de facto, inscrito no Rock"n"Roll Hall of Fame, em Cleveland, Ohio, desde 1991 - curiosamente, o músico não pôde comparecer à cerimónia, pois estava preso por causa da droga, cuja dependência infernizou a sua vida nos anos 80.
O Grammy quase no fim
Mas voltemos a falar apenas de Ike Turner músico. Nasceu no Mississippi, a 5 de Novembro de 1931, onde começou cedo a aprender piano (teve como professor a lenda dos blues Pinetop Perkins). Era ainda adolescente quando formou o seu próprio grupo, no Missouri, The Kings of Rhythm, com o qual se lançou à caça de talentos vocais. Foi assim que encontrou, no Tennessee, uma rapariga de voz rouca e pernas dançantes, chamada Anna Mae Bullock. Rapidamente esta jovem cantora assume a liderança do grupo de coristas do The Kings of Rhythm, e o retumbante sucesso da sua interpretação de A fool in love (1959) leva-a a conquistar um lugar no nome da banda, que passa a chamar-se The Ike and Tina Turner Revue. Em 1962, Ike e Tina casam-se no México e vivem uma década de frutífera colaboração musical. Mas a relação entre ambos mostra-se tumultuosa e acaba em separação na década de 70.
Na sua autobiografia lançada em 1986, Tina acusa Ike de maus tratos. O livro acaba por dar origem a um filme What"s Love Got to Do with It (1993), de Brian Gibson, em que a figura de Ike Turner é assumida por Lawrence Fishburne, numa composição que lhe valeu uma nomeação para o Óscar, mas também a repetida contestação da sua veracidade por parte de Ike: "Tudo o que posso fazer é pedir desculpa a todos aqueles a quem fiz mal. Mas eu não sou o tipo que se vê nesse filme. Longe disso." Seria a partir daí que Ike conseguiria refazer a vida e a carreira, num percurso consagrado com o Grammy deste ano. Agora, em vez de flores, façam música em memória dele.