Teresa Salgueiro decidiu sair dos Madredeus há dois meses
Com a saída da cantora, restam Pedro Ayres Magalhães e Carlos Maria Trindade. Sobreviverá o grupo à ausência da voz e do rosto de Teresa?
Teresa Salgueiro não tem mãos a medir para "tantas solicitações", contou ao PÚBLICO a sua assistente, Raquel Coelho. Os projectos discográficos em que se envolveu ao longo deste ano assim o exigem. Esta noite, a partir das 22h00, a cantora apresenta-se no palco da Fnac Chiado, em Lisboa, para interpretar temas do álbum La Serena, feito em colaboração com o Lusitânia Ensemble. As canções deste segundo disco a solo (o primeiro foi Você e Eu, que recolhe temas do cancioneiro popular brasileiro) farão também parte do alinhamento do concerto previsto para dia 8 de Dezembro, na Aula Magna, em Lisboa. Mas antes desta actuação Teresa Salgueiro viajará para Londres, onde decorrerá, no dia 2, a estreia mundial de Silence, Night and Dreams, no Barbican Center Hall. Teresa foi uma das solistas seleccionadas para este álbum do compositor polaco Zbigniew Preisner, conhecido também por ser o autor das bandas sonoras dos filmes de Krzysztof Kieslowski (realizador de, entre outros, A Dupla Vida de Véronique). A partir do dia 10, a cantora estará na Polónia. M.J.O.
a Teresa Salgueiro anunciou publicamente a sua saída dos Madredeus. A notícia foi dada em primeira mão pela estação televisiva SIC, anteontem à noite, mas a decisão da cantora foi comunicada a Pedro Ayres Magalhães, fundador do grupo, há cerca de dois meses. "A Teresa saiu sem prejudicar o grupo", disse ao PÚBLICO, "não há aqui nenhum drama."
As "constantes solicitações" resultantes dos projectos desenvolvidos por Teresa Salgueiro ao longo deste ano - os álbuns Você e Eu e La Serena e a escolha para ser uma das solistas do disco Silence, Night and Dreams, do compositor polaco Zbigniew Preisner (ver caixa) - estiveram na origem desta decisão, tomada por mútuo entendimento com os Madredeus. Isto mesmo foi expresso pela cantora num comunicado enviado ontem à tarde à imprensa. "Perante as constantes solicitações para continuar a desenvolver os projectos artísticos já iniciados por Teresa Salgueiro, foi entendido, por ambas as partes, que não seria possível manter a disponibilidade exclusiva e necessária ao funcionamento dos Madredeus, como aconteceu ao longo de 21 anos", pode ler-se.
Na mesma nota, a artista manifesta o seu "orgulho" por ter sido a voz do "notável empreendimento que foi a viagem dos Madredeus" e não descarta futuras colaborações com o grupo, "se isso for tido como conveniente".
Fim do período sabático
A saída de Teresa Salgueiro acontece numa altura em que está prestes a terminar o período sabático que os músicos reservaram para 2007. Finda a digressão Um Amor Infinito (2004/2006) e realizados todos os contratos internacionais, os Madredeus anunciaram que chegara o momento de fazer uma pausa, de forma a permitir a reorganização da "iniciativa" do grupo, como se lê na nota enviada à comunicação social em finais de 2006.
Ao longo deste ano, o colectivo de quatro músicos e a cantora deveriam reflectir sobre o grau de "investimento" de cada um no grupo, explicou Pedro Ayres Magalhães. "Ficou claro que nesta época teríamos de trabalhar mais. Um ano depois de terminar a última digressão seria necessário mais dedicação, mais iniciativa e mais comprometimento", afirmou, argumentando que, sem subsídios institucionais , os "únicos apoios" do grupo "são os músicos e a Teresa".
Os primeiros efeitos deste ano de reflexão fizeram-se notar em Julho, quando José Peixoto (guitarrista) e Fernando Júdice (viola-baixo) optaram por sair dos Madredeus para se dedicarem a outros projectos musicais. E agora foi a vez de Teresa Salgueiro, a voz descoberta há duas décadas por Rodrigo Leão e Gabriel Gomes num bar do Bairro Alto (tinha ela 17 anos). "Os Madredeus são independentes e exigiam uma grande entrega e disponibilidade que hoje não posso dar", justificou a cantora à agência Lusa.
Sobreviverão?
Pedro Ayres Magalhães não dramatiza este acontecimento. Mas diz: "Ainda não sabemos se é positivo continuar sem ela." O compositor fala no plural (os Madredeus são agora ele e Carlos Maria Trindade), mas a decisão de dar continuidade física ao conjunto será solitária - cabe-lhe somente a ele. Apesar do seu valioso património musical, sobreviverão os Madredeus à ausência do rosto e da voz de Teresa Salgueiro? "Essa pergunta faço eu a mim próprio", responde o fundador. "A iniciativa de continuar ou não está nas minhas mãos", prossegue, "mas sou uma pessoa optimista e acredito que as coisas se decidam, às vezes acontecem casualmente." A história dos Madredeus, nomeadamente a descoberta de Teresa Salgueiro, foi também fruto do acaso, numa noite de 1986.
A banda, então formada por Ayres Magalhães, Francisco Ribeiro, Rodrigo Leão e Gabriel Gomes, já tinha realizado várias audições com cantoras. Mas as tentativas para encontrar a voz perfeita para um reportório que "revolucionava" a música popular portuguesa eram infrutíferas. Até àquela noite em que Leão e Gomes ficaram siderados a ouvir uma rapariga de 17 anos que, repentinamente, começou a cantar fado numa roda de amigos.
Não tardou muito até que Teresa Salgueiro se juntasse aos quatro músicos - a partir daqui a história é sobejamente conhecida, assim como foi inúmeras vezes contada a origem do nome do grupo (ensaiavam à noite no Teatro Ibérico, situado numa ala do antigo Convento da Madre de Deus, em Xabregas). Ainda faltava algum tempo para o grupo se iniciar nos registos discográficos e já Miguel Esteves Cardoso adivinhava, no Blitz, que eles eram a "melhor esperança da nação".
Ao longo de duas décadas, Teresa Salgueiro foi a voz dos 15 álbuns que compõem a discografia dos Madredeus e foi o rosto mais visível de um grupo que tem uma projecção a nível internacional inigualável em Portugal.
Há precisamente 21 anos, Teresa e os quatro músicos actuaram pela primeira vez ao vivo, no Porto, ainda sem um disco na bagagem, mas com 19 temas gravados em duas pistas (alguns deles foram depois resgatados para o primeiro álbum, Os Dias da Madredeus). No dia em que se comemora essa estreia em palco, fica a pergunta: haverá futuro sem Teresa Salgueiro?
Pequeno destaque em caixa com fundo que tambem pode servir de legenda para a fotografia do lado esquerdo