No 75.º aniversário, os ucranianos pedem o reconhecimento da "Grande Fome"
a Os 74 anos da dominação soviética foram verdadeiramente trágicos para o povo da Ucrânia - três golodomores (as grandes fomes dos anos 1921-1923, 1932-1933 e 1946-1947), múltiplas deportações, o terror físico e moral... "A ditadura do proletariado" experimentou todas as modalidades de repressão no nosso país. Há duas nuvens particularmente negras que obscurecem o mito das "conquistas do socialismo soviético". Uma é representada pelas repressões sangrentas dos anos 30, a outra é constituída pelo Golodomor, que devastou a Ucrânia Soviética em 1932-1933, o qual, segundo os dados actuais, causou entre 3 a 7 milhões de vítimas, e cujo 75º aniversário se assinala hoje.
A causa inicial desta fome reside na decisão de Estaline em aumentar a quota de fornecimento de cereais, em 44 por cento, para a Ucrânia, em 1932. Importa também destacar a circunstância de o grupo social dos camponeses mais desafogados (os kulaks), que Estaline pretendia exterminar, estar, em grande medida, concentrado na Ucrânia.
A fome era terrível: desapareciam aldeias inteiras; as pessoas comiam animais de estimação e as próprias sementes destinadas à futura sementeira (o que foi interpretado pelas autoridades como "furto da propriedade socialista", tendo sido reprimido de forma violenta, com recurso à pena capital); o canibalismo generalizou-se. Para travar a fuga em massa de camponeses dos territórios atingidos pela fome, foram introduzidos os passaportes internos. Por outro lado, destacamentos de guardas armados foram colocados ao longo da fronteira ucraniana, impedindo o êxodo dos camponeses famintos.
No quadro O Homem em Fuga (1934) do pintor Kazimir Malevich está representado um camponês que corre através de uma paisagem desolada. Esta obra, plena de simbolismo, é considerada um dos mais significativos testemunhos artísticos daqueles horríveis acontecimentos.
Gostaria de fazer algumas considerações sobre a questão do reconhecimento do Golodomor como genocídio, tendo em consideração os princípios do direito internacional. Actualmente, já não existem dúvidas de que o Golodomor foi uma fome artificial, tendo sido provocada e instrumentalizada por razões políticas e ideológicas.
Para a Ucrânia, este crime do regime comunista representa uma verdadeira tragédia nacional, um golpe violentíssimo contra o património vital da nação. No entanto, há quem insista em perguntar: "O extermínio dos camponeses, enquanto ucranianos, foi o objectivo final do Golodomor, ou a sua morte é apenas uma consequência da política do regime comunista contra os camponeses, enquanto classe?" Tais interrogações, são, no mínimo, pouco éticas.
Um dia saberemos, através da abertura de alguns arquivos ainda mantidos secretos, o que é que Estaline e os seus cúmplices planearam efectivamente. Mas, quanto às consequências da política desenvolvida pelo regime estalinista, essas já são amplamente conhecidas, sendo assim possível fazer a sua avaliação histórica e jurídica. E são precisamente essas consequências que conferem ao Golodomor o carácter de genocídio, de acordo com as normas do direito internacional.
Quando os parlamentos de 15 países, incluindo alguns da Europa, já reconheceram o Golodomor como um acto de genocídio, deixa de fazer qualquer sentido discutir terminologias; trata-se simplesmente de um acto simbólico.
Infelizmente, a "racionalidade" política e económica vigente nas relações internacionais é muitas vezes contrária à voz da consciência e ao princípio da justiça. Se em alguns momentos da História do século XX essa mesma "racionalidade", sob a capa da Realpolitik, não tivesse pactuado com os crimes cometidos por impérios totalitários, o mundo de hoje poderia ser bem diferente.
Por tudo isto, os ucranianos esperam que os países democráticos e civilizados reconheçam o Golodomor como um acto de genocídio, bem como a importância desse acto de justiça histórica. Tal reconhecimento, seria excepcionalmente importante para a Ucrânia, com vista à sua plena integração na comunidade das nações livres e democráticas.
Presidente da Associação dos
Ucranianos em Portugal