Menuhin, a Europa e a educação
Trata-se de procurar viver a fraternidade, a tolerância e o respeito graças à beleza
Há dias, em Lisboa, Enrique Barón Crespo lembrava a personalidade de Yehudi Menuhin como símbolo da nova Europa. Falava na Conferência Europeia Let"s MUS-E Together, sobre o programa MUS-E, Artes para a Integração Cultural nas Escolas, no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia e no lançamento simbólico do Ano Europeu do Diálogo Intercultural (2008). Quatro organizações deram as mãos para que a herança de lorde Menuhin se mantenha viva, em projectos concretos de combate à exclusão e de promoção da qualidade e da exigência na educação com valorização do ensino artístico. A Fundação Internacional Yehudi Menuhin, a Fundação Calouste Gulbenkian, o Centro Nacional de Cultura e a Associação Menuhin Portugal promoveram uma reflexão que envolveu professores, artistas e comunidades culturalmente diversas, a fim de tornar vivo o projecto educativo de promover a qualidade educativa e a integração social através das artes.Numa entrevista notável, agora dada à estampa em português, lorde Menuhin resumiu assim o seu pensamento: "É preciso que desde a infância se diga: "Posso empregar o meu corpo, vou fazer dele uma obra; tenho talentos, em todos os sentidos; reconheço-os em mim e posso apreciá-los em outrem; posso fazer coisas belas com os outros." É necessário sugerir uma ligação com o inconsciente, que una ao consciente. Porque sem o inconsciente, sem experiência emocional, sem experiência dos nossos sentidos, toda a experiência intelectual se reduz a pó" (A Alma e o Arco, edição CNC/MUS-E, 2007). Trata-se de procurar viver a fraternidade, a tolerância e o respeito graças à beleza. E, quando trabalhamos com o método Menuhin, sabemos que, através da valorização das artes, chegamos à disciplina, ao rigor e à exigência, num horizonte de cidadania e de justiça. E é emocionante ver a língua e as línguas, a matemática, as ciências, e tudo o mais, a terem melhor aproveitamento e a suscitarem o interesse, como antes da presença das artes e dos artistas não acontecia.
Falou-se das crianças imigrantes, lembrou-se a preocupação que lorde Menuhin tinha com os povos ciganos (que considerava pioneiros de uma nova mentalidade sem fronteiras), insistiu-se na necessidade de reforçar a atenção das instituições, das autoridades e das escolas para o facto de o ensino artístico dever estar no princípio da linha e não no fim da linha. Afinal, a relevância da educação obriga-nos a ligar permanentemente qualidade, exigência, mérito, talento e emoção. Precisamos da mobilização dos sentidos, já que justiça e beleza se completam naturalmente. E muitos de nós temos na memória o olhar de lorde Menuhin, na Escola nº 1 de Algés, como menino feliz, ao ver realizado o seu sonho, com as crianças da Pedreira dos Húngaros, segundo o direito mais elementar à educação para todos. A sementeira continua, com dificuldades quotidianas, porque é sempre muito o que falta e o que há para fazer. A qualidade associa-se à criatividade, como vimos acontecer com Celina Pereira naquele fim de tarde mágico da Gulbenkian. E Marianne Poncelet, braço direito do maestro, lembrou com muita emoção o primeiro encontro com Helena Vaz da Silva. Daí prolongou-se o sonho e o projecto, até chegar a nós. E foi Helena que disse: "Acredito que Yehudi Menuhin é uma estrela caída do céu."
O menino-prodígio, que foi Menuhin, nunca quis acomodar-se na condição de privilegiado. Quis partilhar, abrir novos horizontes. "Cada ser humano tem o dever eterno de transformar o que é duro e brutal numa oferenda terna e subtil. O que é cruel num objecto de refinamento, o que é feio num marco de beleza, confronto em colaboração, ignorância em conhecimento, assim descobrindo o sonho da criança como realidade criadora, renovada incessantemente pela morte, servidora da vida, e pela vida, servidora do amor"... Enrique Barón falou do maestro como o símbolo europeu contra os egoísmos. Ele, que enviava sugestões sobre a cultura e a ciência aos governantes nas vésperas dos conselhos europeus. Em Lisboa, a educação esteve, de novo, na ordem do dia. Os europeus não podem esquecê-la. O insucesso e a ignorância combatem-se como muito trabalho e com procura incessante de conhecimento e compreensão. Antigo ministro da Educação, presidente do Tribunal de Contas