Túmulo encontrado em 1922
Um faraó "insignificante"
Nunca Tutankhamon ou os que viveram durante o seu reinado poderiam imaginar que, muitos séculos depois, o rei-menino seria o faraó mais famoso em todo o mundo, e haveria milhões de pessoas a acotovelarem-se em salas de exposição para ver peças do seu túmulo, que o egiptólogo e professor da Faculdade de Letras de Lisboa, Luís Manuel de Araújo, descreve como "modesto, acanhado, diminuto, quase ouso dizer miserável". Mas foi, provavelmente, essa modéstia que protegeu o túmulo de Tutankhamon. "Escapou justamente porque é um túmulo de segunda, e os ladrões tinham mais que fazer", explica o professor. A maioria dos túmulos dos faraós egípcios "foram saqueados no final do Império Novo, nos finais do século XII a.C. e século XI, uma época de crise, miséria e fome, em que o Egipto estava já decadente".
O único acontecimento importante do reinado de Tutankhamon terá sido, diz o egiptólogo, a restauração do culto do deus Amon - uma decisão (provavelmente tomada pelos conselheiros do faraó-menino) de ruptura com o reinado anterior, do suposto pai de Tutankhamon, Akhenaton, o "faraó herege" que instaurara o culto do deus Aton. Simbólico desta ruptura foi o facto de Tutankhamon ter adoptado este nome e abandonado aquele com que nascera: Tutankhaton, que significava "imagem viva do deus Aton".
Pouco importa hoje se Tutankhamon só governou perto de dez anos, entre os nove, idade com que subiu ao trono, e os 18, idade com que morreu, julga-se hoje que de uma infecção na perna. Pouco importa que nesses dez anos nada de muito relevante se tenha passado. A verdade é que "este rapaz é hoje um dos reis mais conhecidos do Antigo Egipto, que consegue afastar reis muito poderosos mas menos conhecidos".
E tudo porque o seu túmulo foi dos poucos encontrados quase intactos. "Cerca de 200 anos após a morte de Tutankhamon, junto à entrada do túmulo foi rasgado um outro túmulo para Ramsés VI. As toneladas de entulho que saíram desta escavação foram parar acima da entrada do miserável túmulo de Tutankhamon". E assim ficou, esquecido pelos seus contemporâneos, ignorado pelo mundo, irrelevante para a História, até ao início do século XX, quando uma equipa de arqueólogos liderada pelo britânico Howard Carter, descobriu o túmulo no Vale dos Reis.
A 4 de Novembro de 1922, Carter - em risco de ficar sem dinheiro para prosseguir as escavações - encontrou finalmente as escadas que conduziam à entrada do túmulo. A descoberta fascinou o mundo, e apareceu ligada ao mito de que havia uma "maldição do faraó" que provocava a morte a quem entrasse na última morada de Tutankhamon - houve, efectivamente, algumas mortes entre a equipa de Carter, sendo a mais famosa a de Lord Carnarvon, que financiara a expedição, e que sucumbiu ao envenenamento do sangue devido a uma picada de mosquito.
A múmia descoberta na altura pode agora, pela primeira vez, ser vista pelos visitantes, numa urna transparente. Mas, sublinha Luís Manuel de Araújo, "a grande decepção no túmulo foi precisamente o estado da múmia". Ao contrário de outras, que chegaram até nós em perfeito estado e que podem ser vistas no Cairo, a de Tutankhamon, precisamente porque não foi manuseada pelos ladrões, que não a despojaram das ligaduras e dos óleos, acabou por ficar muito mais deteriorada. "Ao libertarem os corpos dos reis das faixas de linho, onde havia jóias, os ladrões acabaram por contribuir para os preservar". Apesar disso, quem visitar o túmulo no Vale dos Reis, no Egipto, pode admirar o rosto do rei, que morreu jovem, segundo as mais recentes teorias vítima de uma ferida na perna que gangrenou.
A quem vir - no Egipto, ou agora em Londres - os tesouros do túmulo de Tutankhamon, Luís Manuel de Araújo deixa um conselho: "Pensem que se um rei insignificante que reinou dez anos tinha o túmulo recheado de objectos tão espectaculares, que riquezas não teriam os túmulos de grandes faraós como Ramsés II ou Amen-hotep III, cujo reinado marcou o apogeu civilizacional egípcio".