Torne-se perito

Relação absolve ex-colunista do PÚBLICO de difamação

Os advogados do presidente da Câmara do Porto estão a avaliar a hipótese de recorrer. Rui Rio diz que a decisão fere direitos constitucionais.

O Tribunal da Relação do Porto decidiu há dias absolver o ex-colunista do PÚBLICO Augusto M. Seabra do crime de difamação a que tinha sido condenado pela primeira instância em Maio de 2006, isentando-o de pagar os quatro mil euros por danos de natureza não patrimonial por ter chamado "energúmeno" ao presidente da Câmara do Porto, Rui Rio.
O caso remonta a 22 de Junho de 2003, quando Augusto M. Seabra escreveu um artigo de opinião intitulado "Os dias da Casa I". Ontem o colunista estava satisfeito com a decisão. "O dr. Rui Rio tem que aprender a conviver com a democracia, nomeadamente com a liberdade de expressão e com o princípio da separação de poderes."

Os advogados do autarca estão a analisar um eventual recurso. Rui Rio considera esta decisão "ilustrativa do estado em que se encontra a nossa justiça" e acha que fere "direitos constitucionalmente consagrados - supostamente pelo 25 de Abril". "O tribunal acha normal que o presidente da Câmara do Porto possa ser apelidado de "energúmeno". Eu acho que esta visão é perigosamente inimiga da democracia", diz Rui Rio.

Os três desembargadores consideram que não há possibilidade de provar que a palavra energúmeno foi utilizada num sentido diferente ao que Seabra diz ter-lhe atribuído: obsessivo, prepotente ou alguém que provoca desatinos e desordens. E que a dúvida beneficia o arguido. Mas os juízes vão mais longe e analisam o caso, pressupondo que Seabra ao chamar "energúmeno" a Rio "queria significar que o mesmo é ignorante e boçal, em termos de política e gosto cultural". "Será que esta crítica, inequivocamente cáustica para o ofendido, ultrapassa os limites desenhados pela lei penal?", questionam.

Os juízes admitem que há um confronto entre a liberdade de expressão e imprensa e a protecção do bom nome que tem que ser ponderado no caso concreto. "É essencial, como referia Timothy Garton Ash, no The Guardian, que se retorne ao espírito de Voltaire: discordo do que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito a dizê-lo." No acórdão, lê-se ainda: "Decidir os limites da crítica legítima é por vezes difícil. O arguido não foi delicado na sua crítica, sendo certo que o direito penal não trata, como enfatizámos, dessa dimensão dos comportamentos. Mas também não nos parece ocorrer ataque pessoal gratuito: o artigo de opinião em causa é apenas mais um, em que o recorrente desanca de modo desabrido a política cultural do ofendido, que na opinião do recorrente era errada."

Os desembargadores António Gama, Luís Gominho e Abílio Ramalho rematam: "Na nossa sociedade democrática a crítica é um exercício indispensável de cidadania, de que não se deve ter medo e muito menos perseguir; a crítica legítima, está bom de ver."

4000

É o montante em euros que Augusto M. Seabra ficou isento de pagar com a absolvição do Tribunal da Relação - o advogado de acusação tinha pedido uma indemnização no valor de dez mil euros.

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