Sex Pistols
Faz hoje 30 anos que o mais icónico grupo punk editou o seu único álbum, Never Mind The Bollocks, hoje um dos mais importantes de sempre. Os Sex Pistols encarnaram os sentimentos de mal-estar de uma geração e devolveram-nos, em forma de espelho, à sociedade da altura
a Se a música fosse apenas música, talvez nem nos lembrássemos deles. Os Beatles tiveram mais fãs a puxar pelos cabelos. Os Rolling Stones estão aí para ganhar o prémio de longevidade. Os Doors não eram verdadeiramente um grupo, eram Jim Morrison. Os Velvet Underground tinham pinta, mas apenas para uma imensa minoria. Dos Pink Floyd é difícil perceber o fascínio. Mas porque a música não é apenas música, estando ligada à maneira de os indivíduos pensarem, agirem e viverem, sendo uma das formas mais antigas de atribuir identidade, associada em certos períodos com movimentos sociais e políticos e com formas alternativas de experimentar o mundo, os Sex Pistols são um dos grupos mais importantes de sempre da história da música popular.
Faz hoje 30 anos editaram o único álbum de originais, Never Mind the Bollocks... Here"s the Sex Pistols, disco polémico que expressava os sentimentos de toda uma geração, na segunda metade dos anos 70, fixando as senhas de identidade do punk, um dos mais relevantes movimentos jovens de sempre, misto de anarquia e niilismo, o preto e branco da realidade que manchava a imagem cor-de-rosa que a sociedade britânica queria perpetuar.
Disco de tal forma emblemático que, para assinalar a data, a editora Virgin resolveu reeditar os quatro singles (Anarchy in the UK, God save the queen, Pretty vacant e Holidays in the sun) e o respectivo álbum para coincidir com o aniversário. Entretanto, os quatro sobreviventes, o cantor John Lydon, o baixista Glen Matlock, o guitarrista Steve Jones e o baterista Paul Cook - Sid Vicious, que também integrou a banda, faleceu em 1979 -, vão reagrupar-se para uma série de cinco concertos. O primeiro é em Londres, a 8 de Novembro. O grupo, que teve curta existência, separou-se em 1978, reagrupou-se para uma digressão mundial em 1996 e actuou pela última vez em 2003.
Revolução musical
O punk germinou na primeira metade da década de 70 em Nova Iorque, através de grupos como os New York Dolls, Television, Talking Heads ou The Ramones. Quando foi absorvido em Inglaterra, a partir de 1976, por bandas como os Sex Pistols, The Clash, The Damned ou The Buzzocks, ganhou outras tonalidades.
Continuou a ser uma revolução musical - reacção ao progressivo afastamento dos conceitos que guiaram o rock & roll no início, através de uma sonoridade simples, rápida e enérgica -, mas também importante movimento social e cultural, alicerçado no clima de crise que se vivia em Inglaterra. Em 1976, as taxas de desemprego eram as maiores de sempre desde a II Guerra Mundial e o Governo conservador de Margaret Thatcher era contestado por aqueles que não conseguiam imaginar o futuro.
A utopia hippie finava-se. Os ideais contraculturais eram a nova norma. Aos baby-boomers que haviam tentado mudar o mundo e aspiravam à "paz e amor" respondiam os Pistols com No future, expressando impotência e cólera, numa atitude niilista, contra a sociedade, contra o panorama rock da época, contra tudo.
Durante dois anos, entre 1976 e 1977, encarnaram esse mal-estar e devolveram-no, em forma de espelho, a uma sociedade que não desejava ser confrontada. Na obra deste ano, Nous Sommes Jeunes, Nous Sommes Fiers - La Culture Jeune d" Elvis à MySpace, o jornalista e escritor francês Benoit Sabater resume a acção do grupo: "Eles não queriam reconstruir nada. Apenas criar situações caóticas, de forma esteticamente relevante, nas ruas ou em palco. A sua música criou uma nova dinâmica, mas também as capas, o visual, os corpos abandonados, as suas declarações. As situações criadas por eles não pretendiam gerar um mundo mais fraterno, mas sim mostrar que tudo era simulacro. Era necessária uma inversão de valores. Fazer tábua rasa de tudo. Tudo."
Os Sex Pistols foram uma criação do seu polémico manager, Malcolm Maclaren, o típico indivíduo capaz de antecipar os acontecimentos um pouco antes dos outros. Foi isso que aconteceu, depois de uma viagem a Nova Iorque, onde percebeu que a música e atitude punk tinham tudo para vingar em Londres, onde abrira uma loja de roupa, chamada Sex, com a hoje conceituada designer de moda Vivienne Westwood. A loja funcionou como embrião. Ele era o estratego, ela criou o estilo, através de roupa, adereços e slogans de impacto directo. Em 1975, Maclaren conhece John Lydon e os Sex Pistols nascem.
Desde o primeiro momento que o grupo se destaca pela atitude de confronto em palco e por canções, como No future (mais tarde, rebaptizada para God save the queen), que pareciam clamar pelo direito a renegar todos os valores da vida de trabalho. Estudiosa de culturas juvenis, a americana Amy Spencer, escreve em DIY: The Rise of the Lo-Fi Culture, de 2006, que "houve muitos grupos rock importantes, mas nenhum desafiou e abalou tanto o mundo como eles". "É difícil transmitir às gerações actuais o choque sentido por todos aqueles que os viram pela primeira vez."
Inglaterra dividida
A Inglaterra institucional e conservadora acordou para eles a 1 de Dezembro de 1976, quando foram convidados para um programa de grande audiência da BBC, o Today, uma simpática emissão televisiva apresentada pelo popular Bill Grundy, transmitida em horário familiar. Grundy, de 50 anos, não sabia no que se estava a meter. Tratou-os como se fossem seus filhos - afinal, tinham 20 anos -, mas eles acharam que ele estava a ser paternalista e a aparição televisiva terminou com Steve Jones a chamar-lhe "dirty fucker" e "fucking rotter". Na manhã seguinte estavam nas capas dos jornais. O país interrogava-se. E dividia-se. Uns nunca mais os perderam de vista. Outros clamavam por correcção e punição.
Tornaram-se rapidamente no alvo principal do circo mediático. Concertos tumultuosos, declarações provocadoras ou conflitos com editoras são acompanhados a par e passo. Mas o resto do mundo só se apercebeu o que estava a acontecer durante o fim-de-semana das celebrações do Jubileu da Rainha, em Junho de 77.
É o escritor e jornalista musical inglês Jon Savage que reflecte sobre o fenómeno na obra England"s Dreaming (1991), talvez o mais conhecido livro sobre o impacto dos Sex Pistols: "A Inglaterra era um país dividido por classes e com muito desemprego. Para muita gente das classes trabalhadoras era de mau gosto celebrar a monarquia, enquanto o país agonizava. Nesse fim-de-semana o single God save the queen é lançado e chega ao primeiro lugar do top. Nessa altura, a imprensa mundial que estava em Inglaterra para assistir às celebrações, percebe que tem ali a sua anti-história perfeita. Naquele fim-de-semana, o punk, até ali circunscrito a uma elite, transforma-se num fenómeno totalmente global."
O dia do Jubileu
A 7 de Junho, dia do Jubileu, o grupo toca numa embarcação no Tamisa, navegando atrevidamente ao lado dos edifícios do Parlamento, perante apertada vigilância da polícia. Numa entrevista recente à revista Mojo, o realizador de cinema inglês Julien Temple, que realizou o filme Sid & Nancy, recordou essa viagem: "Foi fantástico como o grupo se tornou na voz de um sector inteiro da sociedade que não gostava da família real ou do que ela representava. No dia do Jubileu, Oxford Street estava surreal. Havia bandeiras por todo o lado, mas ouvia-se o God save the queen dos Pistols a sair pelas janelas das casas."
No Verão de 77, o punk estava em todo o lado. A Time e a Newsweek informavam os seus leitores acerca da emergência de uma subcultura chamada punk, mas os Sex Pistols ainda não tinham lançado nenhum álbum, ao contrário dos Clash ou dos Stranglers, que já o haviam feito. A saída de Glen Matlock, substituído por Sid Vicious, o comportamento imprevisível deste, ou a desconfiança de Lydon em relação a Mclaren, são algumas das circunstâncias que ajudam a perceber por que é que só a 28 Outubro de 1977 editaram o álbum de estreia, que iria ser o único.
Disco emocional, de energia crua, às vezes fanfarrão mas desafiador, Never Mind the Bollocks transformou a raiva numa nova ideologia, inspirando gerações sucessivas. Quando foi lançado, desalojou Cliff Richards do primeiro lugar do top britânico, apesar de ter sido banido de muitas lojas devido à palavra "bollocks". Trinta anos depois continua a ser o documento que melhor personifica o espírito punk, a fuga desenfreada em frente, a cólera que tem que sair agora. Ou, como afirmou, Lydon: "Ser punk naquela época era gritar alto, tão alto, tão alto como se fosse morrer naquele preciso instante e não me deixassem gritar."