Shirin Neshat: um filme e fotografias de Zarin num prostíbulo de Teerão
A mais conhecida artista iraniana de hoje expõe na Galeria Filomena Soares, em Lisboa
a Quem venha acompanhando a obra da artista plástica iraniana Shirin Neshat pressentirá a viragem. Na exposição que hoje abre ao público na Galeria Filomena Soares, em Lisboa, mostra-se o mais recente filme da artista - Zarin (2005) - em conjunto com uma série de sete fotografias relacionadas com o mesmo projecto fílmico. Ao contrário do que acontece em alguns dos mais emblemáticos trabalhos de Neshat, já não são as habituais oposições dicotómicas homem/mulher e suas representações simbólicas - preto/branco, claro/escuro, grave/agudo - que estão aqui em causa. Aprecie-se ou não a obra de Neshat - porque apesar da fulgurância da sua carreira, a artista conhece também mais que muitos detractores - será difícil apagar a memória de trabalhos como Turbulent (1998), o primeiro grande projecto vídeo da artista, apresentado em Portugal pela Galeria Zé dos Bois em 1999, apenas meses após a conclusão da obra (fazia parte da programação do agora extinto Festival Atlântico).
Em Turbulent Neshat opunha frente a frente dois ecrãs: num, uma mulher de chador preto, noutro um homem de camisa branca - figuras apresentadas como cantores; ele a interpretar temas com letras narrativas, ela um canto abstracto feito de respirações e lamentos. Para o público, posicionado entre os dois ecrãs, ficava o papel ingrato de não conseguir nunca abranger os dois aspectos da projecção, tendo que optar por um ponto de vista.
Revolucionária
Num ensaio para a revista FilmMaker o cineasta Atom Egoyan, de origem egípcia, escreveria: "Apesar de muito já se ter dito sobre a natureza abertamente política do trabalho de Neshat, Turbulent é também uma obra revolucionária de drama filmado."
Para Egoyan, que cita a curadora do Museu Nacional de Arte Moderna de Paris, Nathalie Leleu, o que acontece é que o público se torna ele próprio num dos actores, "armado com a sua própria cultura, mas atacado pelas pistas escondidas neste dispositivo visual".
Em obras seguintes - como em Tooba, a visualmente esmagadora instalação que Neshat estreou na mítica Documenta, em Kassel, em 2002 -, com mais ou menos nuances, a artista adoptaria estratégias devedoras de Turbulent, mas começaria também gradualmente a libertar as suas obras, complexificando as narrativas e aproximando-se mais e mais de um território próximo do cinema. Na Filomena Soares, Zarin, um trabalho que tem já dois anos, situa-se nesse campo.
Continuando a usar a cultura iraniana e o islão como inspiração, Neshat parte aqui de uma secção do livro Women without Men (2005) de, Shahrnush Parsipur, tal como Neshat uma iraniana radicada nos Estados Unidos (Neshat, que tem 50 anos, vive nos EUA desde os 17, motivo do cepticismo de alguns dos seus detractores em relação à sua ligação à cultura iraniana).
Negro, por vezes fantástico
O filme acompanha o dia em que Zarin, uma jovem a trabalhar como prostituta desde a infância, entra em ruptura com a tortura do seu quotidiano.
Convulsão onírica de contornos negros (e, por vezes, fantásticos), Zarin (a realizadora situa a narrativa em 1953) acompanha a sua protagonista numa desesperada via sacra, que parte do bordel de onde ela foge, passa por ruas desertas e decadentes de Teerão, entra e sai de locais de culto e acaba numa casa de banhos públicos onde Zarin tenta - literal e metaforicamente - arrancar-se à própria pele, num brutal e sangrento exercício de ablução.
As fotografias, a cores e de grandes formatos, dividem-se entre retratos de personagens desta obra (clientes, outras prostitutas...) e imagens de situações do filme (cenas dos banhos, do quarto onde Zarin recebe os clientes...).
Shirin Neshat está em metamorfose. A conhecida Gladstone Gallery (a sua representante nova-iorquina) vai acompanhando e apoiando a crescente ambição dos seus projectos (é a mesma galeria de Matthew Barney, que também tem assinado trabalhos para salas de cinema, como Drawing Restraint 9, exibido no ano passado pelo circuito comercial português).
Shirin Neshat
LISBOA Galeria Filomena Soares, R. Da Manutenção 80. Tel.: 218624122. De 3ª a sáb. Das 10h às 20h. Até 23 de Novembro. Entrada livre