Um novo dinossauro descoberto... no museu
No início do ano, um conceituado paleontólogo francês combinou férias em Portugal
com um objectivo científico: ver uns certos ossos que tinham sido encontrados no século XIX
a Durante mais de um século, ficaram arrumados numa caixa de papelão verde, nas prateleiras repletas de fósseis do Museu Geológico de Lisboa. Deixaram-nos etiquetados como ossos de crocodilo. Um paleontólogo francês que leu um velho artigo científico sobre eles aproveitou umas férias em Portugal para ir ao museu. E foi assim que, inesperadamente, deu de caras com um novo dinossauro... escondido numa caixa do tamanho de um palmo.Foi apanhado em Boca do Chapim, a norte do cabo Espichel, talvez pelo geólogo suíço Paul Choffat, um dos pioneiros da geologia portuguesa, que prolongou por 40 anos uma viagem a Portugal de três meses. Nos anos de 80 do século XIX, Choffat convidou Henri-Emile Sauvage, então um dos principais paleontólogos franceses, a vir estudar os fósseis portugueses. Seria Sauvage quem descreveria os tais ossos nas Memórias da Comissão dos Trabalhos Geológicos de Portugal de 1897-98. Eram uma espécie nova de crocodilo, o Suchosaurus girardi.
Ninguém questionou a sua natureza de crocodilo, pelo que continuaram discretamente na sua caixa. Até que, em Janeiro, apareceu em Lisboa Eric Buffetaut, palentólogo da Ecole Normale Supérieure, em Paris. Ao ler o artigo de Sauvage, desconfiou que o museu teria, não um crocodilo, mas um raro dinossauro carnívoro. "A descrição não era suficiente para ter a certeza. Tinha realmente de ver os fósseis", conta Buffetaut, num e-mail.
Analisou-os, fotografou-os e, a partir de três pedaços de mandíbula apenas, concluiu que era um Baryonyx. Mas não se aventura a dizer a espécie. "Devido à má preservação dos ossos, a identificação teve de se basear nos dentes", esclarece Buffetaut na revista Geological Magazine, onde anunciou a novidade científica.
Como é que de uns bocados de dentes se chega à identificação de um animal inteiro, que teria dez metros de comprimento e viveu há 125 a 130 milhões de anos? Buffetaut comparou os parcos restos com os fósseis de Baryonyx de outros locais.
O primeiro reconhecido como tal, em Inglaterra, é um esqueleto, a que uma equipa do Museu de História Natural de Londres chamou Baryonyx walkeri, em 1986. Encontraram-se ainda dentes e mandíbulas em Espanha e partes de um esqueleto no Níger. "No conjunto, não se conhecem muitos exemplares e os fragmentos de mandíbula da Boca do Chapim são os primeiros de Portugal", frisa. "O Baryonyx é raro. Representa um tipo invulgar de adaptação nos dinossauros carnívoros."
Tinha predilecção por peixe, daí as mandíbulas invulgarmente compridas e estreitas, com dentes mais parecidos com os de crocodilo do que os de dinossauros carnívoros. Eram cónicos e com estrias, em vez de lisos e em forma de lâmina. "Por esta razão, identificavam-se os dentes do Baryonyx como crocodilo", explica. "Encontraram-se restos de peixes no esqueleto do Baryonyx de Inglaterra. É provável que comesse outras presas, incluindo dinossauros."
O Baryonyx de Portugal (e os de Espanha) revela ainda como existia uma ligação entre os animais de Inglaterra e de África. Então, a Ibéria e África estavam próximas.
Para Miguel Ramalho, director do Museu Geológico, esta história mostra a importância dos museus. "Têm material que é uma fonte de descobertas." Buffetaut diz o mesmo: "Estas "descobertas" podem fazer-se não só em escavações, mas nas colecções. O Museu Geológico de Lisboa é dos mais bem conservados e bonitos. Tem uma colecção notável de dinossauros, fiquei contente por acrescentar mais um."