Acção em Riade

Coisa em que, como sabemos, os americanos até são peritos. Interrogar a complexa realidade geopolítica contemporânea sob a forma de um policial de acção tradicional? Podia ser um filme de Michael Mann. Correcção: devia ser um filme de Michael Mann. Não é porque ele não quis, preferindo remeter-se ao papel de produtor - e é mesmo por isso que "O Reino" não chega ao nível de "Heat - Cidade sob Pressão" (1995), "Colateral" (2004) ou "Miami Vice" (2006). Mas isso não retira valor ao esforço de Peter Berg ("Eram Todos Bons Rapazes", 1998; "Bem-Vindos à Selva", 2003) para seguir nas pisadas do mestre e fazer um filme de acção resolutamente contemporâneo, que fale de terrorismo sem esquivas politicamente correctas. O que podia dar um filme inapologeticamente conservador como os de John Milius, mas em vez disso propõe uma versão ideologicamente difusa do "vocês não querem saber com quem se estão a meter".

Alguma crítica americana tem acusado "O Reino" de propaganda apologética da arrogância imperialista dos "polícias do mundo". É ignorar o facto de que este filme, mesmo que assinado por "procuração", transporta as marcas do habitual universo de Mann - um universo masculino hiperestilizado, de homens duros que escondem os seus sentimentos, regidos por códigos de honra quase marciais, onde o profissionalismo e a amizade são subentendidos mas constantes (veja-se a cena entre Jamie Foxx e Chris Cooper no avião que os transporta a Riade, que diz volumes sem nunca abordar directamente o assunto). Berg roda de maneira nervosa e ágil, mas não tem a mesma sensibilidade de Mann e, por isso, tudo se dilui mais na investigação policial mais convencional (que culmina numa sequência de tiroteio digna do recente "Ultimato").

Mas depois há duas coisas que fazem a diferença. Primeiro, o facto de este ser um filme que se centra numa investigação de tal maneira espartilhada pelas circunstâncias que quase nada acontece durante grande parte do filme a não ser uma sequência de adiamentos e frustrações, uma espécie de filme à volta do nada. Segundo, e sobretudo, um espantoso final em espelho onde, depois dessa explosão de violência catártica que vem atar as pontas soltas da história, as personagens dão por si perdidas num vazio pós-climáctico onde se compreende que nada talvez tenha mudado, se questionam se terá valido a pena tanta morte - e onde se explica que, americanos ou sauditas, são as mesmas emoções que os movem num circuito fechado de vingança e retribuição. É um final digno de um filme de Michael Mann, o que não quer dizer que o que ficou para trás seja de deitar fora - apenas que "O Reino" é um thriller sólido, inteligente, estimulante, mais conseguido que a maioria, mas que nunca dá o salto que podia dar.

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