Leonel Vieira resgata em Julgamento memórias da repressão salazarista numa "história de hoje"
Realizador regressa aos fantasmas da PIDE nove anos depois de A Sombra dos Abutres. Filme estreia dia 11
O mais recente filme de Leonel Vieira custou cerca de um milhão de euros, repartidos entre a TVI, a distribuidora Castello Lopes e o Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia. Como co-produtora, a TVI ganha direito a exibir Julgamento numa mini-série repartida por três episódios, que irá para o ar a partir de Março de 2008. Do elenco constam duas caras conhecidas das novelas da estação: Alexandra Lencastre e Fernanda Serrano. Além de Julgamento, a TVI está a apoiar Fados, de Carlos Saura, e Call Girl, de António Pedro Vasconcelos.
a Um filme sobre as memórias da repressão salazarista numa "história de hoje", feita "a partir dos fantasmas das personagens, que acabam também por ser os mesmos fantasmas do passado recente de Portugal". Foi assim que o realizador Leonel Vieira descreveu Julgamento, o seu mais recente filme, apresentado ontem em conferência de imprensa.
Com estreia marcada para dia 11, o filme centra-se na sociedade actual para trazer à tona a crueldade das torturas perpetradas durante o Estado Novo. Leonel Vieira revelou que, embora o filme não se baseie "numa história concreta de uma determinada pessoa", é "sustentado em factos reais, numa memória colectiva". Para o realizador e produtor de 38 anos - que pela primeira é produtor único de um filme seu -, é importante resgatar esses episódios de repressão e censura "porque os portugueses ainda não digeriram esse assunto, essa memória salazarista ainda não está resolvida".
O filme conta a história de um professor universitário, Jaime Ferreira (Júlio César), que vive perseguido pelas memórias da prisão, e do camarada Marcelino, torturado até à morte pela polícia política do Estado Novo. A dada altura, Jaime é confrontado com o encontro com José Mendes Oliveira (Carlos Santos), o ex-inspector da PIDE responsável por esses actos, e rapta-o, na tentativa de encerrar o passado. Mas acaba por envolver a filha de Marcelino, Joana (Alexandre Lencastre), e outros amigos (José Eduardo e Henrique Viana) numa trama que oscila entre a violência psicológica e física e aborda a questão dos valores e das fronteiras ténues da justiça e da vingança.
Leonel Vieira alimentava desde A Sombra dos Abutres (1998) a vontade de fazer um segundo filme que retomasse essas memórias da tortura. Na verdade, quer ainda planear outro para encerrar uma trilogia. "É uma vontade que vem do meu fascínio por esses factos históricos. Interessam-me como conflito, mas sobretudo porque são situações que não concebo."
A ideia original que está na base do projecto é do brasileiro Izaías Almada, que há quatro anos apresentou a história - baseada na sua experiência enquanto vítima de tortura no Brasil - ao realizador português. João Nunes e Vicente Alves do Ó adaptaram o guião à realidade histórica portuguesa.
Para recriar as cenas de tortura, o realizador de Zona J serviu-se do material de que se tinha munido durante a investigação para A Sombra dos Abutres. Entre vários documentos, conta-se um "exemplar secreto" de um livro apreendido num dos escritórios da PIDE, imediatamente após o 25 de Abril. Nele constam relatos de interrogatórios, cartas e diários de torturados que os inspectores apreendiam nas celas.