Governo fechou centro arbitral de professores de Coimbra
Decisão inédita em Portugal. Centro é acusado nos tribunais de favorecer empresas que recorreram a firmas fictícias para fugir aos credores
A Universidade de Coimbra dissolveu a Projuris por utilização abusiva do nome da Faculdade de Direito
a O Ministério da Justiça ordenou este mês o fecho do Centro de Arbitragem do Instituto Português de Ciências Jurídicas (IPCJ), uma associação criada por dois destacados professores da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC). Motivo: "Ter deixado de possuir idoneidade para a realização de arbitragens voluntárias institucionalizadas." Um dos fundadores do IPCJ, Álvaro Dias, diz que a decisão "é juridicamente infundada e desproporcionada".
O IPCJ foi constituído em 2002 por Álvaro Dias e Diogo Leite de Campos, os professores que nesse mesmo ano criaram o Centro de Arbitragem da Projuris, uma associação científica instituída no âmbito da FDUC e que tinha sede na própria faculdade. A autorização para a criação do seu centro de arbitragem foi requerida por Álvaro Dias e Leite de Campos e foi concedida pelo Ministério da Justiça, em 2002, devido ao facto de os requerentes serem "individualidades de conhecido e reconhecido mérito académico e intelectual na ciência do direito". Ainda nesse ano, logo após a formalização da Projuris, a autorização dada aos dois professores passou para a associação, tal como previsto no despacho governamental.
Empresas-"fantasma"
Três anos depois, porém, a FDUC começou a ser contactada por diversas entidades, incluindo tribunais, Ministério Público e Polícia Judiciária, que procuravam esclarecimentos sobre alegadas irregularidades cometidas no Centro de Arbitragem da Projuris. Em causa estavam suspeitas de que as suas decisões - que tinham o mesmo valor legal das sentenças dos tribunais judiciais de 1ª instância - estavam a servir para que muitas empresas fugissem aos credores. O truque, tornado público pela revista Visão no mês de Junho, consistiria na transferência do património dessas empresas, em obediência àquelas decisões, para firmas-"fantasma" a quem supostamente teriam dívidas, mas que eram controladas pelas mesmas pessoas.
Face a estas denúncias e ao incumprimento dos estatutos da Projuris, o conselho científico da FDUC considerou que o nome da faculdade estava a ser utilizado "abusivamente" pelo centro de arbitragem dirigido por Álvaro Dias e aprovou a dissolução da associação em Janeiro de 2006. A proposta foi apresentada por Diogo Leite de Campos, o catedrático a quem cabia a direcção científica da Projuris e que tinha estado na origem do seu centro de arbitragem.
Irregularidades várias
Nove meses depois, por via da extinção da associação, o secretário de Estado da Justiça, João Tiago da Silveira, revogou a autorização que lhe tinha sido concedida para exercer a arbitragem. Acontece que Tiago da Silveira tinha entretanto autorizado um centro de arbitragem ao ICPJ, cuja sede se localizava nas mesmas instalações, cedidas gratuitamente pela Câmara de Lisboa, na Quinta do Conde de Arcos, aos Olivais, em que funcionava o centro da Projuris. Esta última autorização foi concedida em Março de 2006, três meses depois de a FDUC ter decidido acabar com a Projuris - facto que o gabinete do ministro da Justiça disse ao PÚBLICO ser desconhecido dos serviços "competentes em matéria de arbitragem". Desconhecidas eram igualmente, segundo a mesma fonte, as denúncias e investigações em curso sobre as actividades do centro de arbitragem da Projuris.
Extinto o centro da Projuris e criado o do IPCJ, as suspeitas que incidiam sobre o primeiro passaram para o segundo, sendo certo que os responsáveis e as instalações de um eram os mesmos do outro. Os processos judiciais intentados contra o centro da Projuris multiplicaram-se entretanto e o do IPCJ foi também alvo de queixas já em 2007.
Perante estes factos e os indícios de que os processos do Projuris estavam a ser ilegalmente transferidos para o IPCJ, o Ministério da Justiça começou a acompanhar o caso em Fevereiro, tendo determinado a abertura de um processo de averiguações em 14 de Junho, precisamente o dia em que a Visão publicou uma extenso trabalho sobre o assunto. O resultado deste processo foi a revogação, no dia 14 deste mês, da autorização concedida ao centro de arbitragem do IPCJ.
De acordo com o gabinete do ministro, a decisão teve como fundamento o facto de o IPCJ "ter deixado de possuir idoneidade para a realização de arbitragens voluntárias institucionalizadas". O despacho faz referência não só a irregularidades de funcionamento, mas também a situações inadequadas ao "rigor e profissionalismo inerentes à realização de arbitragens".
Quem não entende a decisão governamental é Álvaro Dias, que fundou e presidiu ao centro do IPCJ até Dezembro. "Foi com surpresa e mágoa que tomei conhecimento dessa decisão, que considero juridicamente infundada e desproporcionada", afirmou. Actualmente existem em Portugal 31 centros de arbitragem, o primeiro dos quais foi autorizado pelo Governo em 1987. Os centros da Projuris e do IPCJ foram os únicos a ser dissolvidos até agora, sendo o do IPCJ o primeiro a fechar por perda de idoneidade.