Alberto Fujimori O terrorismo de Estado no banco dos réus
O Supremo Tribunal de Justiça chilena aprovou ontem o pedido de extradição
de Alberto Fujimori pedido pelo Peru. Após anos de liberdade no Japão e no Chile, o destino do ex-Presidente peruano que combateu o terrorismo com terrorismo parece traçado
a É o princípio do fim do que já parecia ser um eterno "extraditável". A Justiça chilena aprovou ontem o pedido de extradição emitido pelo Peru em 2006 para julgar o seu ex-Presidente, Alberto Fujimori, de 69 anos. Em causa estão alegados crimes cometidos entre 1990 e 2000. A decisão marca o ponto final num processo que se arrastou durante meses e aumentou a tensão diplomática entre o Chile e o Peru.Este Verão, em Junho, foi conhecido o primeiro indício de uma possível extradição. A procuradora do Supremo Tribunal de Justiça do Chile, Mónica Maldonado, emitiu o seu relatório preliminar sobre o pedido de extradição. Depois de semanas a estudar o caso, Maldonado classificou as provas contra Fujimori de "demolidoras". Não tendo poder vinculativo, o parecer da juíza indiciava que o Chile atenderia aos desejos de Lima. Um mês mais tarde, a reviravolta: a 11 de Julho, o juiz encarregue do caso, Orlando Alvarez, recusa o pedido de extradição, alegando que as provas não eram suficientemente demonstrativas do envolvimento do ex-Presidente nos 12 crimes documentados nos processos de extradição enviados pelo Peru ao Chile. Os advogados do Estado peruano contra-atacaram no dia seguinte, apresentando um recurso e enviando a decisão final sobre o futuro judicial de Fujimori para a segunda instância do Supremo Tribunal do Chile.
A fuga do Samurai
Em finais do ano 2000 Fujimori contava com uma aprovação popular de apenas nove por cento, e o país exigia conhecer o seu papel nas acções contra os grupos subversivos. Partindo para a Ásia para assistir a uma conferência internacional no Brunei, Fujimori foi em seguida para o Japão, de onde enviou um comunicado anunciando que renunciava à presidência.
Dias depois, a 22 de Novembro, o Congresso peruano recusou a renuncia e destitui Fujimori do cargo, alegando "incapacidade moral" para governar. Em Dezembro, o Estado nipónico reconheceu a nacionalidade japonesa de Fujimori e, durante cinco anos, ele viveu no Japão em liberdade.
Mas a pressão aumentou, sob a forma de dois pedidos de extradição vindos do Peru e os olhos desaprovadores da comunidade internacional. Era cada vez menos prestigiante para o Japão albergar Fujimori.
A ida para o Chile a 6 de Novembro de 2005 teve um objectivo claro: evitar a justiça peruana. Afinal, o Supremo Tribunal do Chile tinha recusado quatro pedidos anteriores de extradição referentes a assessores do ex-Presidente procurados no Peru. "Fujimori pensava que a passagem pelo Chile seria uma escala judicial, e que a justiça chilena o absolveria", explica José Alejandro Godoy do Instituto de Democracia e Direitos Humanos da Universidade Católica do Peru. "Mas não contou com dois factores: a forte reacção da classe política chilena, e a contundência dos processos de extradição elaborados pela justiça peruana."
Nesses processos estão documentadas as alegadas provas contra Fujimori. A decisão de extraditá-lo baseou-se em sete dos 12 alegados crimes pelos quais o Estado peruano pediu inicialmente a extradição. Cinco desses casos dizem respeito a acusações de corrupção. Os outros dois compõem os mediáticos casos de abuso de Direitos Humanos de La Cantuta e Barrios Altos, nos quais Fujimori é acusado de ordenar o assassinato e desaparecimento de várias pessoas suspeitas de pertencerem à guerrilha marxista Sendero Luminoso. A justiça peruana apenas poderá julgar Fujimori pelos sete casos que determinaram a sua extradição.
Olho por olho
Em 1990, o Peru era um país dilacerado por uma forte crise económica e pelo conflito que opunha os militantes marxistas do Sendero Luminoso contra as forças governamentais. Durante a década de 80, o grupo liderado por Abimael Guzman conquistara o controlo do interior montanhoso dos Andes. O exército peruano não conseguia vencer o fanatismo maoista dos senderistas, que atacavam com emboscados e atentados. A sua campanha, com o objectivo de levar a guerrilha do campo para a cidade, aproximava-se de Lima, ameaçando a própria viabilidade do Estado peruano.
Fujimori surgiu como o homem inesperado numa altura difícil: um engenheiro e reitor da Universidade Agrária de La Molina com ascendência japonesa. Com apenas seis meses de mandato, o académico tornado Presidente teve uma vitória contundente: a 7 de Fevereiro de 1991 emitiu um comunicado e um vídeo recuperado de uma das casas do Sendero Luminoso. Na gravação apareciam vários militantes do Sendero Luminoso numa festa. Entre eles, um homem gordo e ébrio dançava ridiculamente. Era Abimael Guzman, o líder dos senderistas.
Inesperadamente, o Peru viu a imagem do líder rebelde, que vivia escondido desde 1978. Fujimori dava assim uma cara ao terror que assolava o país, desmistificando a personagem que fora construída através da propaganda e do terror.
Mais importante do que o que mostrou, foi o que Fujimori disse. O novo Presidente explicou que a luta anti-subversiva entraria noutra fase e que "o inimigo era invisível, portanto havia que enfrenta-lo da mesma forma". Uma frase reveladora do terror que estava para vir.
Reflectindo sobre esse período, José Alejandro Godoy sublinha o efeito pernicioso que tiveram as violentas acções do Sendero Luminoso, "que em número e crueldade não são comparáveis a grupos similares na América Latina".
Os altos comandos militares decidiram que para vencer o terrorismo era necessário usar uma estratégia de guerra de baixa intensidade, ou seja, o combate clandestino contra os grupos subversivos. Na prática, é alegado no processo, consistia em atacar os terroristas com os mesmos métodos, evitando os obstáculos legais e judiciais de um Estado de direito.
Com a ajuda do dirigente do Servicio de Inteligencia Nacional, Vladimiro Montesinos, e empregando recursos do exercito peruano, Fujimori criou um grupo paramilitar para guiar a luta antiterrorista. O Grupo Colina teve um objectivo específico: lutar contra o terror usando o terror. No início da década de 90, este conjunto de militares e agentes de informação deixou um rastro de ataques clandestinos a bases terroristas, raptos e execuções sumárias de suspeitos transformaram aquele tempo numa onda de violência e retribuição.
No seu relato sobre as acções do Grupo Colina, o Major do Exército peruano Santiago Martin Rivas, que liderou o conjunto de paramilitares, explicou que a criação da força clandestina teve como objectivo "gerar no terrorismo o mesmo temor; fazê-los sentir que fosse qual fosse o lugar onde se escondessem seriam descobertos e eliminados". O militar cumpre actualmente uma pena de prisão no Peru pelo seu envolvimento nas duras acções do Exército.
Barrios Altos
Além da corrupção, os dois casos de abuso de Direitos Humanos documentados no processo de extradição foram os principais impulsionadores da decisão de extraditar Fujimori.
A 3 Novembro de 1991, oito homens armados entraram num edifício na zona de Barrios Altos, em Lima, onde se realizava uma pollada (festa tradicional) de presumíveis senderistas, e ordenaram a todos os presentes que se deitassem no chão, abatendo-os a tiro. Quinze pessoas morreram nessa noite. Enquanto os autores do crime se afastavam, ligaram as sirenes dos veículos, numa afirmação de autoria. A mensagem foi directa: qualquer acção do Sendero Luminoso traria represálias do governo.
Igualmente atroz foi o sucedido na Universidad de la Cantuta a 18 de Julho do ano seguinte. Nove estudantes e um professor, alegados senderistas, foram detidos por membros do Exército peruano e abatidos num descampado. Os corpos foram cobertos com cal e enterrados para dificultar a identificação.
No seu livro Ojo por Ojo: La Verdadera Historia del Grupo Colina, o jornalista peruano Umberto Jara diz que a tragédia da fórmula de Alberto Fujimori para vencer o terrorismo foi usar "o mesmo conceito utilizado pelos atacantes: o horror da morte como resposta; o accionar clandestino como método; o golpe psicológico como sistema".
Embora o terrorismo no Peru estivesse praticamente derrotado a meados dos anos 90, especialmente com a captura de Abimael Guzman em 92, a mão dura de Alberto Fujimori voltou a sobressair em 1997, quando um conjunto de combatentes do MRTA (Movimiento Revolucionário Tupac Amaru) tomou a embaixada do Japão com centenas de reféns. Após 126 dias, o Presidente enviou as tropas especiais para que pusessem fim à situação. O saldo final? Dois reféns e dois soldados mortos, além dos 14 rebeldes envolvidos no ataque.
Para o fim do seu último mandato, Alberto Fujimori tentou apagar os vestígios da luta contra o terrorismo. Concedeu amnistias, subornou oficiais e colocou o máximo de obstáculos judiciais nas investigações. A tentativa de encobrir a verdade levou mesmo Fujimroi a sancionar perdões a oficiais por crimes pelos quais ainda não tinham sido abertas investigações, numa tentativa de impedir julgamentos futuros de militares do Grupo Colina.
Fujimori é o único dirigente envolvido nas acções paramilitares do governo que ainda não foi julgado. A confirmação da extradição permitirá ao Chile respirar de alívio, visto que o país é candidato a um dos lugares no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Segundo a Comissão para a Verdade e Reconciliação, estabelecida em 2003, o conflito armado no Peru causou a morte de 70 mil pessoas.