Os gays ibéricos também são um bom negócio
A Câmara de Comércio Gay e Lésbica Ibérica
foi apresentada no último fim-de-semana
em Barcelona e prepara-se para abrir filial em Lisboa. É o mundo dos negócios a piscar o olho à comunidade homossexual cujo poder de compra até é bastante superior ao dos heterossexuais. Todos diferentes
todos iguais, também no consumo
a Primeiro argumento, fornecido por João Paulo, homossexual e editor do site Portugal Gay: "Para um casal homossexual com crianças em casa é importante saber que a baby-sitter que vai contratar não chega com um discurso que choca com aquela realidade familiar."Segundo argumento, apontado por António Cardoso, empresário português a viver em Espanha e homossexual sem vergonha da sua orientação sexual: "Os gays e lésbicas muitas vezes são discriminados no local de trabalho. Num sector como o da moda, isso não constitui problema mas nalgumas empresas, nomeadamente entre as que estão nas mãos da Opus Dei, a orientação sexual pode ser motivo de despedimento."
Terceiro exemplo, elencado pelo catalão Jaume Urgell, homossexual e militante da causa: "Os serviços financeiros não cobrem as necessidades dos casais gays que, muitas vezes, porque não têm descendência directa, precisam de fazer uma gestão diferente do seu património e das questões relativas a heranças."
Para atalhar a problemas que, como os apontados, continuam a complicar o quotidiano das comunidades homossexuais, foi apresentada, no passado fim-de-semana, em Barcelona, a Câmara de Comércio Gay e Lésbica Ibérica. O objectivo, conforme adiantou Jaume Urgell ao P2, um dos mentores do projecto, passa por unir empresários portugueses e espanhóis no propósito de desenvolver produtos e serviços vocacionados para o universo de consumidores gays e lésbicas dos dois países. A iniciativa surge a reboque de organismos similares já existentes noutros países, nomeadamente nos Estados Unidos, mas está ainda em fase embrionária e, em tratando-se do Sul da velhinha Europa, tradicionalmente mais católica e conservadora, Urgell diz-se preparado para alguma renitência. "Ainda em Setembro vou a Portugal testar a receptividade de alguns empresários, convencê-los a aderir, porque a ideia é termos uma filial em Lisboa, além das que vamos instalar em Madrid e Barcelona", explicou, numa conversa telefónica.
Para os apologistas da ideia, ganham todos: os homossexuais, cujas necessidades específicas passam a ter satisfação mais directa e imediata, e as empresas que vêem assim facilitado o acesso a um grupo de consumidores que até é um dos que mais gasta no consumo de bens não primários. Os números comprovam-no. Os estudos mais recentes estimam que a chamada comunidade LGBT (lésbica, gay, bissexual e transexual) representa entre seis e sete por cento da população mundial. "Só nos Estados Unidos e na Europa há 45 milhões de homossexuais com um poder de compra de 1,1 mil milhões de euros anuais", precisa Jaume Urgell, também presidente da Xarxagay, uma associação que representa os interesses da comunidade gay com morada em Barcelona. Em Espanha, calcula-se que existam perto de 3 milhões de homossexuais, segundo os dados avançados por Urgell. Este aponta ainda os 240 mil turistas homossexuais (cerca de dois por cento do total de turistas) que todos os anos afluem a Barcelona em busca de oferta de ócio e cultural especializada.
Há outros dados que as empresas não podem (nem querem) ignorar. Os homossexuais viajam mais, comem fora mais vezes, gastam mais em livros, cinema e CD e em tecnologias de ponta. "Não é por ganharem mais, mas porque, não tendo filhos para criar, em regra, ficam com mais rendimento disponível", explica o presidente da Xarxagay.
Mais. São extremamente fiéis às empresas que os captam como clientes. Não à toa, a IBM criou um departamento de vendas exclusivamente para o mercado gay e lésbico. Na Europa, o cargo é ocupado por Alberto Kehrer. E este, conforme reconheceu na cerimónia que no último fim-de-semana reuniu em Barcelona mais de 400 empresários, já se habituou a ver abrirem-se as bocas de espanto quando se apresenta aos parceiros de negócios. "Não é que estejamos a lançar um computador cor-de-rosa", contextualiza citado pelo El País, "a verdade é que as empresas não podem dar-se ao luxo de ignorar a comunidade homossexual". Que assim é ilustra-o também o facto de gigantes como a American Airlines, a Google e a Motorola terem aderido à Câmara de Comércio Gay e Lésbica Internacional - criada em 2006 em Hamburgo e que já reúne empresas de nove países. É mais uma segmentação do mercado. Por sinal, lucrativa. "Nos Estados Unidos há aproximadamente uns 15 milhões de homossexuais adultos com um poder de compra de 640 mil milhões de dólares, comparado com a comunidade de latino-americanos que, apesar de ser de 42 milhões, tem um poder aquisitivo de 863 mil milhões", lembrou Stephanie Blackwood, conselheira-delegada da consultora norte-americana Double Platinum à BBC
Uma bola de cristal
Ainda por cima, os homossexuais aderem às novidades com a rapidez de um avião. Aliás, a Apple começou por colocar a publicidade aos iPod nas revistas e jornais lidos pelo público GLBT. Foi também uma forma de antecipar a reacção dos consumidores em geral. "O consumidor gay é importante porque é capaz de criar tendências e de adoptar inovações no seu estilo de vida", conforme apontou Víctor Huertas, investigador e professor adjunto da Universidade Autónoma de Madrid ao diário espanhol ADN, para concluir: "O colectivo gay é como uma bola de cristal que deixa ver o que vai acontecer no futuro".
Naturalmente, os homossexuais gostam de se rever nas campanhas publicitárias. E mantêm-se fiéis às marcas que os souberam cativar. Algumas desde há vários anos. Corria 1995 quando a marca de vodka Absolut lançou uma das primeiras campanhas dirigidas especificamente aos consumidores gay, apresentando imagens de duas garrafas: uma vestida com a bandeira multicolor que identifica aquele colectivo e outra com a forma de um armário aberto. Foi o início de uma nova era para os negócios. Doze anos depois, outras empresas se lançaram ao filão gay, nomeadamente em Espanha. "A Ikea lançou uns spot televisivos com dois homens e com duas mulheres à procura de móveis para casa, numa campanha que foi concebida para o nosso país", lembra Jaume Urgell. E até o conservador jornal La Vanguardia pôs na rua uma campanha em que apareciam dois homens de mão dada. "A legenda procurava dizer que o jornal não impõe as suas opiniões aos leitores e que era um diário para toda a gente", esclarece Urgell.
Mas isso é em Espanha onde há casamentos gay, hotéis exclusivamente gay, saunas gay com letreiros à porta e espaços urbanos ocupados pelo universo gay quase em regime de exclusividade, como acontece na Chueca, no centro de Madrid.
Não há coming out
Por cá as companhias tardam em sair do armário. "Em Portugal não há o coming out que se vê em Espanha", confirmou ao P2 António Cardoso, homossexual português radicado em Barcelona. Habituado a cruzar a fronteira entre os dois países, este empresário de 49 anos confia ainda assim que será possível convencer um homem de negócios português a ocupar a vice-presidência da Câmara de Comércio Gay e Lésbica Ibérica. "Seria importante que assim fosse porque há aqui um trabalho de sensibilização muito importante a fazer para quebrar o preconceito", sublinha.
Mas para isso é mesmo necessária uma câmara de comércio gay e lésbica? "É. Porque é mais um instrumento legal que pode ajudar as pessoas a não terem medo de se assumir, a sentirem-se mais gente e mais à vontade para fazer parte de um estudo estatístico", responde João Paulo. Para o editor do Portugal Gay, o novo organismo pode, aliás, alavancar redes como a 6PC. Criada em 2001, é uma plataforma de troca de informação para gays que ali procuram prestadores de serviços gay, ou pelo menos gay friendly, nos mais variados ramos de actividade. "Inclusive pequenas obras como a pintura ou serviços de pichelaria. E isso é importante porque eu, quando preciso de chamar alguém para desentupir um cano em casa, não preciso de um homossexual. Mas também não quero alguém que me olhe de cima abaixo com desprezo quando percebe que sou homossexual." De resto, não se trata propriamente de uma necessidade. Ou antes, é-o mas mais do lado das empresas que precisam de saber que códigos evitar para não afastar potenciais clientes. "Eu, por exemplo, se fosse heterofóbico, jamais compraria material da TV Cabo, cuja publicidade é do mais heterosexista possível. Que é isso de porem três mulheres numa sala de estar a dizer trim, trim para eu me ligar à TV Cabo?! Chega a ser insultuoso, até para as mulheres", insurge-se.
"É importante que a publicidade, no mínimo, não rejeite a realidade das famílias gay", concorda Jaume Urgell. Para o catalão, criar uma câmara de comércio gay e lésbica é tão importante hoje como o foram há alguns anos - e ainda são - as associações congregadoras de jovens ou de mulheres empresárias. "São colectivos mais frágeis que precisam de projectos que lhes dêem suporte específico", sustenta.
Trata-se assim de dar forma a uma realidade que existe, mais ou menos latente, e que não se pode simplesmente pretender apagar com uma qualquer borracha. De resto, o chamado pink money - como se convencionou chamar ao lucro conseguido a partir da comunidade gay - está a rolar a uma velocidade que ninguém conseguirá abrandar. Até mesmo em Portugal, onde até já existe uma agência de viagens exclusivamente GLBT. É só ir a www.sagaescape.com.