Gogol Bordello, Architecture in Helsinki, Mão Morta: este é o festival das bandas intermédias
Na noite dos New York Dolls e dos Dinossaur Jr., cabeças de cartaz sem chama, voltou a chover em Paredes de Coura. O festival acabou esta madrugada.
a Paredes de Coura sem chuva não é Paredes de Coura, e portanto houve chuva nos últimos dois dias do último festival do, digamos, Verão (se isto é um Verão) de 2007: não a tromba de água de há três anos, não os aguaceiros intermináveis do ano passado, mas chuva suficiente para milhares de pessoas voltarem a usar os mesmos impermeáveis (e voltarem a falar dos fantasmas dos festivais passados). É impossível, aliás, não falar desses fantasmas: a manhã a seguir ao melhor Paredes de Coura de sempre (o dos !!!, Arcade Fire, Pixies, Woven Hand, Vincent Gallo, The National e outros, muitos, heróis locais) e ao segundo melhor Paredes de Coura de sempre (o de Morrissey, Yeah Yeah Yeahs, Bloc Party e Gang of Four) ou era o paraíso ou era o inferno. Até anteontem à noite, não foi uma coisa nem outra: foi uma espécie de travessia no deserto (2008 é que vai ser, é esse o espírito). Os grandes heróis da edição deste ano não são heróis indie como os que mudaram a vida de quem esteve aqui em 2005 e em 2006 (esses cresceram e, num certo sentido, tornaram-se demasiado grandes para Paredes de Coura: perguntamos aonde é que os Arcade Fire, os Bloc Party e os The National foram parar e a resposta é ao mainstream, género Super Bock Super Rock e Sudoeste), são heróis freak como os Blasted Mechanism e os Gogol Bordello. Nem Babyshambles, nem M.I.A., nem New York Dolls, nem Dinossaur Jr. (também podemos ir directos ao assunto: a verdade é que este ano não havia nenhum cabeça-de-cartaz evidente nas duas primeiras noites do festival): foi com os dialectos excêntricos dos Blasted Mechanism, segunda-feira, e dos Gogol Bordello, anteontem, e não com o património comum da música alternativa, seja o que isso for (mas calma: os Sonic Youth só chegaram a Paredes de Coura às 0h45 de hoje, nem tudo está perdido), que o festival esteve mais perto de acontecer. Só que já não é o mesmo festival (sem grandes nostalgias, só pequenas): é outro. É um festival em que os Mão Morta anunciam o fim (ok, não sabíamos que era verdade) e as pessoas ficam ali paradas, à chuva, como se nada tivesse acontecido. Medo.
A sonhar com 2005
Não é só o público que parece estar ali parado, à chuva, à espera que volte a acontecer um fenómeno sobrenatural da ordem dos Arcade Fire: pelo segundo ano consecutivo parece haver uma banda (uma banda com muita gente em cima do palco disposta a frequentar sítios estranhos) que a organização do festival contrata com essa missão impossível: os Broken Social Scene há um ano, os Architecture in Helsinki agora. Já estivemos mais longe, mas continuamos a anos-luz dessa tarde de 2005 em que milhares de pessoas viram o melhor concerto da vida delas. Apesar dos problemas técnicos, os Architecture in Helsinki deram um concerto sumarento, daqueles que poderíamos ficar a ouvir, com a cabeça mais ou menos nas nuvens e os pés a tentar ir aonde eles vão com as percussões (difícil: às vezes são completamente arrítmicos, mas a piada é essa) mas não um concerto glorioso: têm a estrutura (muita gente em cima do palco, sim, e muita gente a mudar de posição, sem saber muito bem para onde vai), mas não tem aquela solenidade (e dizemos nós: ainda bem) que faz com que cada concerto dos Arcade Fire pareça uma questão de vida ou morte.
Nada muda, por isso, depois de um concerto dos Architecture in Helsinki (antes já nada tinha mudado com os Spoon, muito mal posicionados no alinhamento), mesmo que Heart it races, como The bomb, dos New Young Pony Club, possa vir a transformar-se na canção do ano em Paredes de Coura, pelo menos na contagem decrescente para o bem mais evidente Young folks, dos Peter, Bjorn and John). Nada mudou, também, depois dos Gogol Bordello: aconteceu o que já tinha acontecido em Sines (e no Live Aid, com Madonna), e aqui há razões para falar de acontecimento. Não se sabe aonde é que os Gogol Bordello pensam que vão naquela figura (em cima do palco há um ucraniano de tronco nu, bigode e calças de fato de treino vermelhas a rebentar com as cordas da guitarra, uma majorette mongol de muletas, um violonista com boina de pirata), mas sabe-se que há milhares de pessoas dispostas a ir com eles até ao fim do mundo e a fazer disso uma grande festa. Vimos barretes de pai natal, vimos garrafas de champanhe, vimos tudo enquanto eles tocavam aquele ska cigano de Sally, Not a crime, Dogs were barking e, tcharan!, Start wearing purple. Também vimos várias pessoas a tirarem fotografias com Eugene Hutz, o ucraniano de bigode, enquanto os Mão Morta acabavam (ou diziam que acabavam) no penta de Adolfo Luxúria Canibal em Paredes de Coura. Bom, não sabemos se os Mão Morta não acabaram (embora tenham dado um concerto com quase tudo aquilo que quereríamos ouvir se fosse a última vez: Oub"lá, E se depois, Budapeste, TV, Vamos fugir e Anarquista Duval), mas ficámos a saber que se alguma vez acabarem será em directo de Paredes de Coura (ou então, ou então, Berlim).
Ao contrário dos Mão Morta, os New York Dolls e os Dinossaur Jr. já acabaram e já recomeçaram. No caso dos New York Dolls, não é claro que tenha valido a pena o esforço: por causa da chuva, mas também por causa de eles não terem já muito para dizer, o concerto deles foi talvez o mais penoso do festival, apesar do efeito já-estivemos-todos-aqui de standards do punk como Lookin" for a kiss, Frankenstein, Trash e Human Being. Já havia demasiada chuva - e demasiados atrasos - para o bem dos Dinossaur Jr., mas mesmo assim foi com eles que o festival pareceu capaz de reencontrar o caminho: rock directo, sem pose e sem artifícios, como já não nos lembrávamos que ele podia ser (e vão dois cabeças de cartaz low-profile). A banda de J. Mascis veio para mostrar o último álbum, Beyond, para mostrar coisas que já deixaram de se ouvir há décadas (Forget the swan ou o mítico Freak scene), e para mostrar porque é que os Sonic Youth olham para eles quando precisam de decidir o futuro. Dinossaur Jr. primeiro, Sonic Youth depois: finalmente o alinhamento de Paredes de Coura fez sentido.