Dalila Rodrigues: "Se tivesse ficado calada teria continuado a ser directora"
Ficou três anos, esperava ficar seis. Diz que fez tudo o que pôde para que o principal museu público português se modernizasse e não se arrepende de ter manifestado a sua oposição à tutela (a ministra da Cultura e Manuel Bairrão Oleiro, director do Instituto dos Museus e da Conservação, IMC). Com ela o público cresceu (192 mil visitantes em 2006, mais 154 por cento que em 2004), as receitas aumentaram (1,1 milhões em 2006, segundo dados do museu) e o edifício foi restaurado. Dalila Rodrigues queria um MNAA autónomo, o Ministério da Cultura não quis sequer pensar nisso.
Não há aqui questões político-partidárias. Discordamos na forma como o MNAA deve funcionar em relação à tutela.
Em quê, concretamente?Defendo que o museu mais importante do país deve ter uma gestão com eficácia quotidiana, capacidade de programação e de potenciamento de verbas. Isto significa que o director-geral do IMC não pode tomar todas as decisões, do empréstimo de obras às coisas mais simples do dia-a-dia.
Há quem diga que o seu erro não foi o que disse em relação à autonomia, mas a forma como o disse. Bairrão Oleiro acusou-a de quebra de confiança institucional. Aceita?Não. Sempre lhe comuniquei primeiro as minhas discordâncias, sobretudo quando o mecenato do BCP, que eu tinha organizado, foi dividido com o Soares dos Reis. E pus o meu cargo à disposição. Ele pediu-me 15 dias. Até hoje não respondeu. Entrou num total autismo. Hoje o mecenato do BCP para o museu é de 360 mil euros.
Já se disse que esse mecenato antecedeu a sua chegada. É verdade?É mentira. O BCP chegou mesmo a enviar uma carta ao dr. Bairrão Oleiro em que expressava a sua preocupação com o facto de me terem sido retiradas condições.
Impôs condições para se manter no cargo?De maneira nenhuma. Nunca tive oportunidade. Ele ontem [quarta--feira] informou-me que seria substituída porque tinha discordado do modelo de gestão.
Estaria disponível para ficar mesmo sem autonomia?Como é evidente. Tenho consciência de que é um processo moroso, só queria que não fechassem as portas. A autonomia é a única saída para este museu.
Sempre disse que o seu projecto era a seis anos. O que é que deixa feito nestes três?Preocupei-me com o edifício, o plano de actividades e a colecção. O mais difícil foi requalificar o museu. Mas a Sala Germain, a fachada da Capela das Albertas e a entrada foram restauradas, ou quase.
Acha que a sua oposição ao protocolo entre o MC e o museu russo Ermitage também pode tê-la prejudicado?Ninguém se manifestou em relação a isso.
O protocolo é um erro?Se os museus portugueses enfrentam dificuldades maiores do que os da Rússia e o Ermitage aluga obras para resolver esses problemas, como é que a senhora ministra se atreve a tentar resolver os problemas do Ermitage ignorando os museus que tutela?
Há outros pontos de ruptura?Os protestos contra a falta de pessoal. Aí ocorreu-me que a comissão não seria renovada porque disse que a ministra e o director do IPM eram os únicos responsáveis por uma situação inaceitável. Não me arrependo. Voltaria a fazer exactamente as mesmas coisas, a repetir os mesmos gestos, a dar os mesmos passos.
Acha que teria ganho em ser mais diplomática?Se tivesse acatado as indicações superiores e não tivesse manifestado - internamente primeiro, e publicamente depois - a minha discordância, eu seria outra.
Quer dizer que se tivesse ficado calada seria reconduzida?Se tivesse ficado calada teria visto renovada a minha comissão de serviço. Sei exactamente as condições que essa renovação exigia - o meu silêncio.
Os que a criticam dizem que apostou em grandes exposições mediáticas, mas desinvestiu na equipa técnica do museu. Aceita esta crítica?Fiz duas exposições de pacote e 12 de investigação da nossa equipa: Grandes Mestres do Desenho na Colecção do MNAA, Frei Carlos: O Belo Portátil, O Tapete Oriental em Portugal e outras. As exposições de pacote fazem parte de uma estratégia muito clara que continuo a defender - a inscrição de Lisboa e da arte portuguesa nos circuitos internacionais.
O que é que já estava previsto para o próximo ano?A exposição do retábulo da Sé de Évora e de uma colecção de jóias contemporâneas. Terminaria com a exposição do Zurbarán [pintor espanhol do século XVII].
O que é que deixa ao novo director?Todos os espaços expositivos a funcionar. Já não há alcatifas rotas, as paredes estão limpas, não há tectos a cair, os pavimentos estão afagados. Mas o mais relevante é esta discussão pública em torno do modelo de gestão.
Paulo Henriques é uma boa escolha?Não faço qualquer comentário.
Equaciona voltar à direcção de um museu?Houve vários convites para museus privados. Não sei. Gosto muito do ensino e do trabalho de investigação.
A direcção de um museu público está posta de parte?Com a actual ministra da Cultura e o actual director do IMC, nem pensar.