Morreu o último rei do Afeganistão, símbolo de unidade
a Nascido logo nos primeiros meses da Grande Guerra de 1914-1918, Mohammed Zahir Shah, rei do Afeganistão de 1933 a 1973, morreu ontem em Cabul, aos 92 anos, chorado por um país devastado onde regressara em 2001, depois de algumas décadas de exílio. Foi apresentado pelo actual chefe de Estado, Hamid Karzai, como "o fundador da democracia afegã" e um símbolo da unidade nacional.O facto de Zahir Shah pertencer à dinastia pashtun e de se exprimir em língua persa (ou farsi) deu-lhe grande credibilidade junto dos dois mais im-
portantes grupos do país: as tribos pashtun do Sul e a elite da capital.
Foi em 1933, apenas com 19 anos, que Zahir Shah subiu ao trono, depois do assassínio do pai, num território que já então era violento mas que gozou de relativa paz e estabilidade durante os 40 anos do seu reinado - o último de uma dinastia criada em 1747.
Tendo promulgado em 1964 uma nova Constituição, o antigo soberano lançou programas de modernização política e económica, e defendeu que as mulheres tinham o direito ao ensino, o que o colocou em choque com a ortodoxia islâmica.
Em 1973, quando se encontrava em Itália para uma intervenção ci-
rúrgica aos olhos, Zahir Shah foi
derrubado pelo seu primo e anti-
go primeiro-ministro Mohammed Da-
oud Khan, que proclamou a república.
O monarca abdicou e ficou a viver no exílio, porque ninguém permitiu o seu regresso durante os anos de uma administração marxista que era apoiada pela então União Soviética.
Só em 2002 Zahir Shah regressou à pátria, prometendo que não levantaria qualquer obstáculo à candidatura pre-
sidencial de Hamid Karzai. Este retribuiu-lhe ontem o gesto de boa vontade proclamando três dias de luto nacional: "Com profundo pesar, gostaria de informar os meus compatriotas que Mohammed Zahir Shah disse adeus a este mundo mortal."
As bandeiras foram colocadas a meia haste, e tanto os canais estatais de televisão públicos como os privados alteraram a programação para transmitirem leituras do Corão e difundirem cânticos religiosos.
Karzai, que pertence ao clã da casa real, atribuiu importantes lugares a parentes e colaboradores de Zahir Shah, logo no Governo transitório que
se seguiu ao derrube do regime dos taliban por forças sob comando norte-americano. Mas a Loya Jirga, a assembleia de notáveis que iria definir o futuro do Afeganistão, recusou a hi-
pótese de o recolocar no trono. Nos últimos anos, Zahir Shah sofreu duas quedas, fracturas ósseas num fémur e nas costelas e problemas gastro-intestinais.
Amanhã haverá orações nacionais pelo defunto, a quem o vizinho Presidente paquistanês, Pervez Musharraf, chamou "um estadista de grande estatura". Os funerais realizar-se-ão na quinta-feira, de modo a que personalidades estrangeiras possam participar. Sobrevivem a Zahir Shah sete dos seus oito filhos, pois que um deles, Shah Mahmoud Zahir, morreu em Roma em 2002. Jorge Heitor
Mohammed Zahir Shah esteve
no trono
afegão de Novembro
de 1933
a Julho de 1973